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Os vivos e os mortos
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Os vivos e os mortos

| EM CARTAZ | Equilibrando-se entre o naturalismo e o exotismo, co-produção Brasil-Portugal premiada em Cannes em 2018 traz crenças indígenas para o protagonismo
Filme Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos (Foto: divulgação)
Foto: divulgação Filme Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos

Dirigido por um casal composto por uma diretora brasileira e um diretor português - Renée Nader Messora e João Salaviza, respectivamente -, Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos se constrói quase que completamente em cima de outro idioma que não o português: a língua krahô. Ela é falada pelos moradores da Aldeia Pedra Branca, no Tocantins, índios Krahô, que são apresentados a partir da história do protagonista Ihjãc. Logo no início do filme, o jovem recebe uma visita do falecido pai à noite, em um lago, somente pela voz. A conversa estabelecida entre o vivo e o morto é decisiva na vida do protagonista. É depois dela que Ihjãc precisa organizar a festa de fim de luto do pai ao mesmo tempo em que passa a sentir se aproximando a própria transformação em pajé, fato do qual deseja fugir.

A obra surge a partir de uma relação iniciada há 10 anos entre a diretora e os Krahô - ela participa da mobilização de um coletivo de indígenas que trabalham com audiovisual. O contato do português João Salaviza com o povo Krahô aconteceu cinco anos depois, promovido por Renée. A aproximação entre diretores e dirigidos, no longa, é visível na medida em que há muito de um tom documental naquilo que é registrado pelas câmeras dos cineastas. A história contada é, também, inspirada em relatos reais de um jovem Krahô, misturados com as vivências familiares do próprio ator protagonista. Tudo isso faz com que o filme misture documentário e ficção, apesar da obra não se apresentar de outro modo que não seja o ficcional.

É de se esperar, ao falar de Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, que sejam feitas comparações entre o longa e a obra geral do cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul. Premiado com a Palma de Ouro em 2011 no mesmo Festival de Cannes que deu em 2018 o Prêmio do Júri da mostra Un Certain Regard para o filme luso-brasileiro, Weerasethakul tem como uma das principais características em seus trabalhos a abordagem temática da morte, aproximando-a e misturando-a do plano da vida. Em Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas, filme pelo qual o tailandês ganhou a Palma de Ouro, o cineasta promove, por exemplo, materializações de fantasmas em figuras como macacos de olhos vermelhos.

O que diferencia as abordagens tailandesa e luso-brasileira, porém, são os pontos de vista dos diretores. Enquanto Weerasethakul possui um olhar mais natural para a mistura entre os planos da morte e da vida, além de trazer mais significados e subtextos políticos, a dupla de Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos aposta no olhar distanciado e na dicotomia, deixando mais claros os limites entre os mundos que aborda. Na fuga das responsabilidades que lhe são colocadas, por exemplo, Ihjãc vai para a cidade, local no qual se desenham de maneira mais clara as diferenças entre os rituais e sociabilidades dos Krahô e dos brancos.

Outra comparação possível a ser feita de Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos é com outra co-produção brasileira em cartaz no Cinema do Dragão que também traz um olhar sobre vida e morte do ponto de vista das crenças dos povos indígenas: é Los Silencios, de Beatriz Seigner. A aposta em fantasmagorias está presente em ambos os longas, mas com diferenças que também dizem respeito ao discernimento, no caso da obra luso-brasileira, entre o mundo dito dos vivos e aquele dos mortos.

Essa separação mais visível, por assim dizer, entre os dois mundos pode ser vista como uma consequência de outra escolha do filme: no longa, há uma busca por um equilíbrio entre contar uma história pessoal, de um indivíduo - no caso, Ihjãc - e uma vontade de mostrar, sob o tom documental, um contexto macro e suas características - no caso, o cotidiano dos Krahô. Nesse balanço, o filme tenta também encontrar equilíbrio entre um olhar naturalista e outro mais exótico, "para europeu ver". São equilíbrios, enfim, que fazem do filme ora mais, ora menos interessante.

 

Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos

Onde: Cinema do Dragão (rua Dragão do Mar, 81)

Quando: hoje, às 18 horas

Quanto: R$ 14 (inteira)

Foto do João Gabriel Tréz

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