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Mobilidade.
Reportagem

Mobilidade.

Ter um veículo já não é mais o sentido único de investir em mobilidade. Há clara tendência das pessoas adotarem o uso compartilhado. Todavia, isto não implica menos carros nas ruas. Inexiste consenso sobre qual o futuro, mas há a certeza de que não virará peça de museu
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O POVO - Como o senhor enxerga a perspectiva de mais carros versus mobilidade?

Miguel Fonseca - Temos dois problemas associados à indústria de automóveis. Um são as emissões de gases e o desequilíbrio da matriz energética. O outro pilar, efetivamente da mobilidade, não tem a ver somente com o congestionamento nas cidades. Mas com a necessidade de mobilidade das novas gerações. Elas pensam diferente e possuem outras necessidades. Muita gente não quer ter carro, mas quer se deslocar de forma prática e segura. As marcas são parte do problema e têm que ser parte da solução.

 

OP - De que forma elas podem ser parte?

Miguel Fonseca - Investindo em tecnologias que sejam despertadoras do meio ambiente, que reduzam as emissões e que sejam mais eficientes no campo energético. A Toyota está investindo em tecnologia híbrida. Temos planos para trazê-la para o Brasil. Não podem apenas as montadoras fazerem esforços, mas sim todos os parceiros envolvidos na cadeia relacionada com a indústria do automóvel.

 

OP - Quando as pessoas vão deixar o veículo próprio pelo compartilhado?

Miguel Fonseca - A tecnologia é um pilar. Acreditamos que, de três a cinco anos, vai haver a transferência do uso individual do veículo para o compartilhado. Nesta medida, o Rota 2030 (programa federal que define como será a fabricação de automóveis no País pelos próximos 15 anos, com regras para eficiência energética e conteúdo nacional) foi extremamente positivo. É um programa que dá previsibilidade à indústria. Para as montadoras é difícil fazer investimentos sem ter previsibilidade.

 

OP - Como a cadeia vai lidar com a mudança do veículo individual para o compartilhado?

Miguel Fonseca - O fato de realmente abdicarmos do regime de propriedade individual não quer dizer que haja uma redução dos carros. O que vai haver são as diferentes formas de mobilidade. A redução de carros depende de outras coisas. Depende da excelência do transporte coletivo. Então seria se as montadoras de fato, em todas as cidades do mundo, estabelecessem os transportes coletivos totalmente adequados às necessidades dos usuários, seguros, rápidos e práticos e conectados aos sistemas de mobilidade periféricos para complementar as viagens das pessoas quando o serviço público termina. Em resumo, vão precisar de abastecimento, de uma manutenção e de um controle do estado do carro. Se alguém utiliza um veículo compartilhado, este terá de se responsabilizar pelo estado do carro antes e depois da utilização. Quem vai fazer isso? Será o concessionário.

 

OP - O senhor estima quando o motor híbrido vai se popularizar no Brasil? O que falta para os automóveis dessa categoria estarem nas ruas?

Miguel Fonseca - Temos toda a confiança na tecnologia híbrida. E ela é bem recebida no Brasil. De fato, o Prius (modelo híbrido da Toyota) tem boa aceitação. Só para você entender, o Prius, há dois anos, vendia 25 carros por mês. Hoje ele vende 250 a 300 carros no País. Multiplicamos por 10 as vendas do automóvel e, em agosto, só havia vendas no varejo de Toyota e Lexus híbridos. E só outra marca havia vendido oito carros nas vendas diretas. No varejo, só nós tínhamos vendido esses automóveis. O híbrido é uma tecnologia já aceita pelo cliente. O que falta para ser aceito? Falta apenas oferecer híbridos para os clientes. Quando passarmos a oferecer mais automóveis para eles, naturalmente irão comprá-los, pois faz todo o sentido. Temos a clara intenção de que até 2030 cerca de 40% dos nossos carros sejam híbridos. Pode até parecer muito tempo, e para Fortaleza pode ser que isso ocorra antes. São 11 anos e meio para tentar conseguir isso.

 

OP - A tecnologia híbrida vai ficar barata logo?

Miguel Fonseca - Nos carros híbridos em geral, a tecnologia começa de cima para baixo. Ela primeiro, no Brasil, vai premiar nossa marca de prestígio e luxo que é a Lexus. Para ofertamos carros mais baratos, precisamos de escala para que os componentes se abaratem e os serviços também sejam reduzidos. Depois, progressivamente, quando essa escala entrar, oferecer de forma competitiva esses produtos. Mas aguardamos o papel do Estado. Por que um carro híbrido paga um preço superior de um carro a gasolina? Não faz sentido. Acredito que, à semelhança de outros países no mundo, o Brasil vai seguir esses passos. E progressivamente vamos ofertar a tecnologia híbrida a segmentos mais acessíveis à população que tem um rendimento inferior.

 

OP - Como lidar com uma geração que lida com o carro diferente de outrora?

Miguel Fonseca - Não se trata de falar de consumidores ou clientes. A transformação do mundo que está acontecendo é uma revolução. As novas gerações não se interessam pelo tipo de trabalho engessado, fazendo sempre o mesmo que está sendo feito nos últimos 30 anos. Elas querem ter flexibilidade, querem sentir que o produto do seu trabalho produz um resultado imediato e querem sentir orgulho disso. Querem ser reconhecidos por isso. Querem ter liberdade para contribuir. A dificuldade que temos, e todos têm no mundo empresarial, é adaptar as suas empresas ao futuro, que já é uma realidade presente e conseguir que essa nova geração participe na transformação, atraindo esses jovens valores para as companhias. Esse talvez seja o maior do desafio que temos. Não é conseguir que a geração jovem compre ou utilize nossos produtos. Isso não é um problema. Eles têm necessidades e têm prazer em desfrutar dos nossos produtos, não como proprietários. Não acreditamos que a paixão por automóvel vá desaparecer. A problemática não é atrair os jovens a continuarem a ser usuários de automóveis. É conseguir que os jovens nos ajudem a transformar nossa indústria nessa direção.

 

OP - Quais são as preocupações da Toyota no Brasil? Nesse sentido, como se comporta o Ceará?

Miguel Fonseca - Nós temos preocupações gerais, que são evoluir o serviço para o cliente. Independente de sermos bons ou não, nós queremos sempre melhorar. Nossa preocupação é sempre melhorar e investir em soluções na qualidade de serviço, seja em questão de tecnologia, seja em treinamentos em nível de pessoas. No Ceará, temos a melhor operação de todo o Brasil. É difícil para mim traduzir isso por preocupação. É mais um orgulho do que preocupação.

 

Miguel Fonseca. EXECUTIVO

O engenheiro Miguel Fonseca, vice-presidente executivo da Toyota no Brasil, América Latina e Caribe, se define como um homem fascinado pela maneira como o mundo está mudando rapidamente e pelas novas tecnologias. "Minha família é minha inspiração", diz. No grupo japonês, está desde 2001. Já foi vice-presidente na Europa e comandou operações na Inglaterra e Alemanha. Passou também pela Fiat e Ford. Ele afirma ter desenvolvido paixão pela indústria automobilística e pela sua contribuição para a sociedade.

 

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