A vida real nunca foi tão palpável. Há uma enxurrada de razões para demonstrar o quanto. O porte livre de câmeras de vídeo é determinante. Ademais, o sem número de púlpitos nos quais as pessoas sobem e emitem opinião sobre qualquer coisa na Internet é o canal primeiro desta conexão com o que chamamos de realidade.
Contudo, ao mesmo tempo, os disfarces são mais profissionais do que nunca. O que parece espontâneo, natural como uma fruta tirada do pé, pode ser no máximo uma polpa com conservantes. O bom mocismo apresentado na propaganda oficial pode não passar de boa propaganda. A biografia repleta de feitos heroicos pode ser uma fantasia bem ilustrada. A história que encanta pode não passar de um falso storytelling. Exemplos há muitos. Envolvem políticos, sucos e picolés.
Quem não sente aquela sensação de “em que mundo eles vivem?” diante do que é apenas uma verdade alheia? Ou ainda, “quem eles pensam que enganam?”, ante um discurso redondo e feito sob medida. A propaganda e a publicidade envelhecem e o jornalismo emerge justamente por este paradoxo. Por mais que as entidades corporativas profissionais agourem, é justamente isto que se dá frente à ascensão da vida real.
É por esta razão que o palmito é o lide do filme do Madero. Ou ainda, por esta razão que o depoimento de alguém confiável tem mais peso do que a fala de um ator qualquer. E se não bastar, é por isto que as boas reportagens convencem mais do que um anúncio metido a verdadeiro. Não por acaso tantos setores paparicam periodistas e os estimulam para que escrevam sobre seus segmentos.
Mas a vida real exposta nas redes sociais e nas plataformas de conteúdo também tem suas vacinas e seus antídotos. A guerrilha com informações falsas é uma das ameaças, cujo melhor escudo é a confiança em quem a chancela. Eis o valor das empresas de comunicação e de seus profissionais
Os tempos são anuviados para o debate. Aí vem a desistência, por absoluto enfado, ou a capitulação. Quem extenua o faz pelo cansaço de lidar com as hordas situadas à esquerda (mais experientes e organizadas para o fuzilamento) e à direita (no mais das vezes, tão ignorantes quanto o outro polo, porém, mais desarrumadas). Quem capitula comete o erro de não assumir as posições, sejam elas quais forem.
Ao ceder, jogam para a plateia, ao sabor da pressão dos grupos organizados. Cruéis e pouco afeitos à honestidade intelectual, tais grupos exercitam a patrulha pura e simples. Não têm lá tanta importância em si, mas adquirem corpo no terreno fértil de redações e no descompromisso com aquela verdade primeira, a dos fatos.
Isto explica por que é tão difícil assumir posições que vão de encontro a conceitos estabelecidos como certos, tais como feminicídio ou a chamada cultura do estupro, ainda que o “outro lado” possa ser tão humanista a ponto de execrar a violência de ideologias descritas como “progressistas” e “libertárias”. Falso storytelling. Vide a história – a dos fatos.
A eleição a se aproximar pega o País de jeito. Torto. Inclinado. Oblíquo. Penso. Logo não existe campo fértil para trafegar, nem sequer na discussão. O País pede que não desistamos. Superemos o enfado.
Jocélio Leal
leal@opovo.com.br
Jornalista do O POVO