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Na falta de pulso, assembleísmo
Opinião

Na falta de pulso, assembleísmo

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Tipo Notícia

Vale para a casa da gente e vale para empresas e gestões públicas. Quem não quer resolver inventa desculpa. Ganha tempo. Ou melhor, perde. Dedica esforços para adiar o Sim ou o Não, em vez de avaliar o quadro, ouvir quando possível e bater o martelo. O Brasil vive hoje o drama da falta de pulso firme para as batidas. Não poderia ser diferente.


Antes uma analogia. Quando a criança faz pressão por um brinquedo ou o adolescente exerce marcação cerrada por um celular novo, o pior a ser feito é protelar. Eles são bons na insistência e tendem a ganhar aliados. Não falta quem adira ao lobby. Quanto mais demora, mais ele cresce e a autoridade encolhe.
 

Alguém já disse que jornalismo é uma profissão autoritária. E é. Precisa ser. Assim como tantas outras premidas pelo tempo. Não cabe assembleia para tomar decisão. O senso de escolha precisa habitar do estagiário ao chefe. Cada vírgula, cada informação que entra ou deixa de entrar, cada angulação são frutos de decisões quase sempre solitárias. Dá-se a linha editorial e se acompanha com rigor.
 

Em se tratando da agenda nacional sobre os combustíveis, já ficou claro que o Governo não tem respostas e procura acomodar todo mundo na carroceria, fazendo as contas para passar o contêiner adiante. A novidade neste esforço para procrastinar é uma tal de consulta pública.
 

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) vai abrir a consulta para saber qual deve ser a periodicidade dos reajustes. É o Estado regulando o que deve ser livre e fugindo do martelo. Desconfie sempre de consultas públicas para medidas de Governo.
 

Muito bem, mas como lembrou a economista Elena Landau: “A ANP tem que ajudar a criar ambiente competitivo. Eu quero saber se 99% escolherem subsídio o que vai decidir a ANP”. Boa pergunta. Decerto, a Agência terá de agir com a técnica, não com o populismo.
 

Neste momento aflora toda a fragilidade do Governo, ainda com os joelhos doloridos da greve/paralisação/locaute envolvendo caminhões e frotistas. Diante da pressão do agronegócio, reconheceu que a tabela do frete mínimo merecia ser revista. E agora, frente a ameaça dos caminhoneiros de deflagrar novo movimento, já começa a sentir os meniscos.
 

A tabela entrou em vigor em 30 de maio, por meio de Medida Provisória, como um acolhimento a uma das reivindicações dos caminhoneiros. Antes, não existia preço mínimo e as negociações eram feitas caso a caso, como deve ser. Um levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) já mostrou que os valores fixados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) implicaram fretes de grãos entre 35% e 150% mais caros.
Claramente a medida é inconstitucional. Vai contra o livre-comércio e a livre iniciativa. Com uma MP, intenta controlar um mercado balizado pela oferta e pela procura. Por óbvio, nada indica que isto acabará bem. Enquanto isso, na falta de pulso no Planalto (alguns até andam sujeitos a algemas) e à aridez no cenário de outubro, quem tem dinheiro também tem juízo para não pisar tão fundo no acelerador dos investimentos. E todos nós carregamos o fardo.

 

Jocélio Leal
leal@opovo.com.br
Jornalista do O POVO

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