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O negócio das invasões é desumano
Opinião

O negócio das invasões é desumano

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Tipo Notícia

O foco mais importante da tragédia do edifício Wilton Paes de Almeida são as vidas daquelas pessoas que lá estavam. A imagem do homem a desabar junto com o prédio, em pleno salvamento pelos Bombeiros, é uma das mais fortes já vistas. Humanizou aquele que seria o vídeo de uma torre a desmoronar em chamas. Por absoluta ironia, seria tão impressionante quanto frio.

 

Contudo, é justamente a dimensão humana que exige a leitura mais racional do que leva aquele contingente imenso de "nego humilhado, morto-vivo e flagelado, de tudo que é lado", como diz Chico, a invadir prédios como o que "não sonham mais". É preciso discutir a desumanidade das condições de vida ali, a aparente baixa prioridade do poder público para o tema Habitação e o uso criminoso das pessoas pelos Movimentos Sociais S/A — como MTST, FLM, LMD e outros do ramo.

 

Doravante, chamemos de invasores os líderes. Sim, aquela gente que lidera, mas não fica lá. No discurso clássico, a crítica contumaz à política de habitação e à falta de moradia para as famílias miseráveis. Ao tempo em que criticam, praticam as invasões de imóveis públicos e privados.

 

No caso de edificações privadas, o argumento recorrente é a inadimplência  dos proprietários com o IPTU. Quando a vítima é o poder público, alegam a função social do imóvel. As invasões são a versão urbana do absurdo praticado na zona rural pelo MST. Carregam a marca da arrogância e da desonestidade. Furam a fila e jogam por terra os critérios para escolher as famílias a serem atendidas.

 

Os invasores agem sem cerimônia. Com desenvoltura até. O lançamento do nome do líder da maior organização do ramo como pré-candidato à Presidência da República traduz isso. Ocupam o vácuo do Estado porque há manifesta omissão do poder público na defesa da propriedade privada.

 

A tragédia paulistana fez emergir a pauta, há anos sob as vistas e narizes de todos. A cobertura do episódio revelou haver a cobrança de uma taxa dos pobres moradores para usar o teto. O dito Luta por Moradia Digna (LMD) reconheceu cobrar o dízimo, ou melhor, o aluguel. Admite R$ 80, mas jornais revelaram ser de R$ 200 a R$ 500. Tudo com carnê, recibo e multa por atraso.

 

Preocupado com o desgaste para a imagem do "negócio", o MTST agiu. Como se faz no setor privado em casos melindrosos, montou uma operação para gerenciamento de crise e publicou uma nota. Em síntese, com ênfase na informação de que a invasão — eles chamam de ocupação — era organizada por outra companhia, ou melhor, movimento, o Movimento de Luta Social por  Moradia (MLSM).

 

Tratou de informar que cuidaram de discutir estratégias de solidariedade às famílias e que ele, o MTST, não tem ocupações no centro de São Paulo. Ademais, afirmou não praticar "a cobrança de nenhum valor das famílias organizadas em nossas ocupações".

 

A nota do MTST mirou em si. Esqueceu que o risco é sistêmico, assim como acontece quando uma imobiliária ou construtora quebra. Ou seja, a desgraça daquelas pessoas que morreram ou estão desabrigadas pode ser um marco.   Um ponto de inflexão para que o poder público aja, banindo os abusos praticados pelas organizações, cuidando do nosso patrimônio invadido e implantando políticas de habitação sérias. Também para que os ditos movimentos sociais parem de subestimar as pessoas. E ainda que a sociedade supere a ingenuidade no trato das invasões.

 

Jocélio Leal
leal@opovo.com.br
Jornalista do O POVO

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