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O que Fortaleza precisa fazer para o turista ficar mais tempo
Economia

O que Fortaleza precisa fazer para o turista ficar mais tempo

Prefeitura e Governo elaboram plano para incentivar o turista em trânsito no Aeroporto de Fortaleza a ficar mais tempo na Cidade. O presidente da Abear, Eduardo Sanovicz, aponta possíves caminhos para que isso ocorra
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São quatro verbos. Comer, dormir, comprar e desfrutar. O presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz, diz que turista conjuga estes quatro e que à Fortaleza cabe buscar predicados que o faça ficar mais tempo na Cidade, em vez de nem sair do aeroporto em caso de conexão. “Ele é aquele que come fora de casa, dorme fora de casa, compra fora de casa ou ele desfruta dos recursos naturais e/ou culturais de determinado destino”. Nessa semana, O POVO divulgou com exclusividade que a Prefeitura de Fortaleza busca, em parceria com o Governo do Ceará, criar o programa Stopover – quando o passageiro permanece de maneira voluntária por pelo menos 24 horas. O esforço coincide com o hub da Air France-KLM e com a chegada da alemã Fraport ao comando do Aeroporto Internacional Pinto Martins.


O POVO - Com o aumento do número de voos e passageiros no Aeroporto de Fortaleza por conta da concessão do terminal à Fraport e da implantação do hub da Air France-KLM, o que precisa ser feito para que o turista que vai fazer conexão fique na Cidade?

Eduardo Sanovicz - O turista conjuga quatro verbos. Ele é aquele que come fora de casa, dorme fora de casa, compra fora de casa e desfruta dos recursos naturais e/ou culturais de determinado destino. Para que o turista fique mais um dia em Fortaleza, por exemplo, é preciso fazer com que ele queira conjugar um desses quatro verbos aqui (comer, dormir, comprar, desfrutar). É necessário que haja uma oferta gastronômica que faça com que ele fique, ou ele tem que ter acesso a algum tipo de produto ou serviço, que seja singular, diferenciado, ou tem de ficar por algum outro atrativo.
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OP - Fortaleza tem potencial para isto?

Sanovicz - No caso de Fortaleza, temos recursos naturais em abundância, que são as praias. Temos recursos que podem virar fato, com mais congressos e convenções no Centro de Eventos do Ceará, e ainda há possibilidade do Acquario, que ainda não virou um fato. Os demais atrativos estão consagrados, como gastronomia, cultura, etc. Trata-se de conjugar tudo isso a um preço competitivo para que valha a pena o turista dormir, pelo menos, uma noite a mais. É um programa (Stopover) que precisa ser estudado pelos gestores públicos e profissionais da região.

OP - O hub da Air France-KLM tem mesmo a dimensão que vem sendo apresentada?

Sanovicz - Primeiro, não é um hub qualquer. É um hub que vai ter frequências para a Europa, para Paris e Amsterdã. É o coração do planeta. Segundo, o hub da Air France-KLM vai gerar uma ampliação nacional da conectividade. Só a GOL espera ampliar sua conectividade em 35%, incrementando a demanda em 1 milhão de passageiros por ano. É existe ainda um terceiro fenômeno, que veio de brinde, que é a concessão do Aeroporto de Fortaleza à empresa alemã Fraport. Então, você vai migrar da Infraero para a Fraport. Isso tudo vai nos levar a um quarto estágio. A empresa que está se instalando aqui quer mostrar serviço. Moral da história: teremos conexão

nacional, internacional e aeroporto novo.

 

OP - De que forma isto pode impactar a economia do Ceará?

Sanovicz - Já temos, no Ceará, o Porto do Pecém, o investimento da Fiocruz no Polo da Saúde do Eusébio, a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP) e os cabos submarinos de fibra ótica da Angola Cables. Quando pegamos esses quatro eixos de logística, com a concessão do Aeroporto e ampliação da competitividade, também ampliamos a capacidade competitiva do Ceará em um nível que, provavelmente, vocês não têm registro histórico de algo desta magnitude. Esse cenário que está sendo construído aqui tem a possibilidade de gerar um modelo econômico autônomo no Estado, uma nova matriz econômica. Eu, se fosse um jovem empreendedor de 20 e poucos anos no Ceará, estaria muito otimista hoje.
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OP - De que modo o mercado de trabalho cearense poderá ser impactado à prova de sazonalidades?

Sanovicz - A aviação e essas outras modalidades de atividade econômica que vêm para cá demandam uma mão de obra com uma qualificação mais elevada, com melhores salários. Não são empregos sazonais, independem de baixa ou alta estação. Não estamos falando de um turismo de lazer. O Ceará tem uma tradição muito bonita e competente no turismo de lazer, sendo um dos destinos mais conhecidos do País e do continente (América do Sul). E tem três, quatro décadas consagradas no turismo de lazer. Mas ainda é um destino que tem pouca expressão no segmento de negócios e eventos, apesar de termos um belíssimo Centro de Eventos. Ora, trazer voos internacionais diretos, ampliar a conectividade nacional e criar polos de atividade econômica também vai gerar um grande impacto no turismo de negócios e eventos. Se você somar tudo isso, você vai partir para outros dois impactos que, particularmente, me seduzem muito. O primeiro é o impacto cultural. O segundo é que, em cinco anos, com todas essas atividades de fato acontecendo, vocês vão começar a ver a construção, de maneira autônoma, de novos modelos econômicos no Estado. O Ceará está à beira de iniciar um processo muito interessante de renovação.

OP - Havia uma expectativa muito grande no Ceará pelo hub aula americano da Latam, ainda não definido. Já o Hub da Air France-KLM, será alimentado pela demanda doméstica. Isso não significa um impacto muito menor do que o esperado?

Sanovicz - Eu não diria menor. Pode ser menos charmoso. Eu costumo brincar... Eu sou de Santos, uma cidade do litoral paulista que, entre outras contribuições, além de Pelé e Neymar (risos), também tem o porto, né? Ali do lado de Santos é Cubatão, nosso distrito industrial. Quando eu comecei no trade turístico, a gente brincava: não importa se o cartão de crédito é de Cubatão ou de Nova York. O que importa é que ele pague a conta. É claro que você tem uma dimensão muito interessante se você tem, 10, 12, 15 voos internacionais. Eu não vi, eu não conheço o projeto, os estudos detalhados do hub da Latam. Não sei se o impacto (em relação ao da Air France-KLM) seria tão diferente assim. Mas, do ponto de vista do resultado, a Gol prevê impacto de 1 milhão de passageiros só da demanda doméstica.

OP - De janeiro de setembro, a movimentação de passageiros no Aeroporto de Fortaleza cresceu 3,2%. Podemos falar que esse aumento é sinal de uma recuperação do setor aéreo no País, que foi grandemente impactado pela crise econômica do Brasil, principalmente em 2015 e 2016?

Sanovicz - De 2002 a 2015, tivemos um processo de crescimento contínuo na aviação civil muito expressivo. A liberdade tarifária, a partir de 2002, nos levou de 30 milhões de passageiros/ano, em 2002, a 100 milhões de passageiros/ano. Saímos de uma tarifa média de, aproximadamente, R$ 700 em 2002 para pouco mais de R$ 330 em 2015. Em 2016,

ano de crise econômica muito pesada, nós perdemos 8 milhões de passageiros em relação ao ano anterior e reduzimos a malha aérea em quase 11%, retirando do País 60 aeronaves. A frota brasileira girava em torno de 530, em 2015, e caiu para aproximadamente 460 em 2016. Mais ou menos dois terços dos passageiros do Brasil viajam a trabalho, e mais ou menos um terço viaja a lazer. Entre 2015 e o começo de 2017, nós vivemos 19 meses consecutivos de queda. E agora, em agosto, tivemos o sexto mês consecutivo de recuperação de demanda. Com o fechamento do mês de agosto, pela primeira vez em dois anos, nós temos um dado positivo no comparativo anual, comparando agosto de 2016 com agosto de 2017.


OP - Em relação ao Aeroporto de Juazeiro do Norte, que entrou na lista que prevê a concessão de mais 14 aeroportos. Na sua avaliação, o aeroporto é competitivo e tem perfil para ser administrado pela iniciativa privada?

Sanovicz - Esse novo pacote tem duas mudanças importantes em relação ao primeiro. Quanto ao Aeroporto de Juazeiro, a inserção do terminal no novo pacote de concessões demonstram que houve um estudo bastante aprofundado pelo Governo.

OP - Em relação à aviação regional, por que os preços das passagens costumam ser bem mais elevados quando viajamos para um destino mais próximo do que um mais distante, além de o tempo de chegada ao costumar ser longo?

Sanovicz - As viagens mais curtas, às vezes, são mais caras porque o custo de você levar o avião para uma viagem muito curta é mais alto. A maior parte do custo que temos é com combustível, que é aproximadamente um terço do preço do bilhete. Os maiores gastos de combustível que a gente tem é quando o avião pousa e decola. Então, se voamos muito pouco, pousando e decolando rápido, o custo é mais alto. Às vezes, é mais caro voar de São Paulo para o Rio do que de São Paulo para Fortaleza, por exemplo.

OP - Significa dizer que a aviação regional só se sustenta com incentivos fiscais do governo, com redução da alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre o combustível, por exemplo?

Sanovicz - O mercado se sustenta, mas são aviões menores, mais baratos, bem menos complexos. É possível ampliar a aviação regional que nós temos, desde que sejam utilizados os aviões corretos, na temperatura correta. Em alguns lugares, também é preciso a intervenção do governo com subsídios, porque você precisa chegar com avião, mas a demanda não se sustenta, como algumas regiões da Amazônia.

OP - Qual é a situação de hoje quando se fala em tributação sobre o querosene de aviação?

Sanovicz - Hoje, 21 estados brasileiros têm uma política de incentivo à captação de novos voos ligada à redução de ICMS. O Brasil é o único país do mundo que cobra tributo regional sobre querosene de aviação. Estamos na seguinte situação: dois aviões da mesma empresa, por exemplo, encostam no Aeroporto de Guarulhos, e tem 25% de ICMS. Um avião vai decolar para Fortaleza e outro para Buenos Aires. O avião que vai partir para Fortaleza paga, em São Paulo, 25% de ICMS sobre o querosene. O que vai para Buenos Aires paga zero, fica isento. Quando ele chega na capital argentina, ele também não paga nada. Por isso, muitas vezes, o consumidor de Guarulhos fala que pagou mais caro indo para Fortaleza do que para Buenos Aires.

 

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