Manipulação e medo se alastram
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Manipulação e medo se alastram

2018-10-21 00:00:00

O Brasil terminou a semana angustiado diante da constatação de que poderá ser vítima de uma grande fraude eleitoral, conforme foi constatado por uma reportagem investigativa do jornal Folha de S.Paulo dando conta de que empresas estão comprando pacotes de disparos em massa de mensagens através do Whatsapp com conteúdo difamante contra o candidato do PT à corrida eleitoral (Fernando Haddad). Cada contrato financiado por empresários custaria R$ 12 milhões, o que configura Caixa 2, em flagrante violação da legislação eleitoral. Trata-se de verdadeira "lavagem cerebral" no eleitor, realizada pela campanha do candidato Jair Bolsonaro (PSL), toda baseada em fake news, sem qualquer pudor, a partir de sites situados no Brasil e em grande parte no estrangeiro, sobretudo nos Estados Unidos.

O escândalo repercute na mídia internacional e todos se perguntam como o País se sairá dessa enrascada. Numa situação normal, o sistema de Justiça entraria em campo, sem nenhuma hesitação, para apurar os fatos e apresentar os responsáveis. A primeira providência seria suspender a campanha até que se tivesse o resultado das investigações em mãos, com a identificação dos violadores da lei eleitoral, seguida de sua punição. O que se viu, porém, foi um TSE acuado, cuja presidente terminou por desmarcar uma entrevista coletiva para explicar a sociedade quais as providências a serem tomadas diante do escândalo, durante a qual estava programado que estaria - coisa inusitada - ladeada por um general (aquele mesmo que é considerado o cérebro da nova ordem que está sendo erguida sobre os escombros daquela que doutor Ulysses saudou com tanto entusiasmo, alívio e esperança, ao anunciar a Constituição Cidadã). Não se poderia esperar nada diferente do espetáculo promovido pelos altos tribunais, desde 2003. E, sobretudo, nos últimos meses. Sinal dos tempos.

Que diferença do início da ordem democrática de 88, quando o debate fluía aberto, dando ensejo às mais florescentes ideias e posições, longe do preto e branco, rígido e estéril a que chegamos na era bolsomínica e sua cascata de fake news que ameaça sepultar o que sobrou da ordem democrática. O diálogo era tão grande naquela época que aqui no Ceará foi possível contar com segmentos do PT para apoiar a instalação do movimento parlamentarista monárquico (não o projeto monarquista da TFP), no plebiscito de 1993 (sobre forma e sistema de governo) para enraizar uma cultura parlamentarista no País, a partir da compreensão de que o parlamentarismo nunca vigoraria plenamente, em nosso território, se não se eliminasse a figura do presidente da República, no desenho institucional parlamentarista, pois ela seria um fator potencial de desestabilização, posto que no modelo parlamentarista republicano, o chefe de estado continuaria a ser eleito pelo voto direto e teria mais legitimidade do que o chefe de governo (primeiro-ministro), eleito pelo Parlamento.

Na época, os congressistas eram respeitados, não tinham se degradado ainda ao ponto de levar o eleitorado a repelir a política, como hoje. Já se detectara que o presidencialismo era, por sua rigidez institucional, um catalizador de golpes de estado. Quem viveu a experiência da ditadura tinha a responsabilidade de buscar um modelo institucional flexível. E o existente era o parlamentarismo. Mas, a instabilidade institucional poderia ser ainda maior, se persistisse a figura de um presidente eleito diretamente, mas sem poder efetivo, já que este ficaria nas mãos do primeiro ministro. Então, para encontrar a fórmula capaz de superar esse potencial foco de tensão, buscou-se resgatar um modelo já experimentado em nossa história, desta vez sem as amarras anacrônicas anteriores - o sistema parlamentarista monárquico - no qual o chefe de estado (rei) seria neutro partidariamente e despido de poder para intervir no governo (exercido pelo primeiro-ministro). Sua função exclusiva seria manter as regras do jogo constitucional e a representação externa do Estado. Assim a eleição de governos progressistas não iria provocar, supostamente, arreganhos golpistas por parte da elite tradicional brasileira.

Os que acusam injustamente o PT de estalinista, o fazem por desconhecimento ou má-fé. O PT nasceu a partir de uma visão crítica ao modelo de "socialismo real", estatal-coletivista, então vigente. Por isso, chegou a ser difamado, por certas correntes tradicionais da esquerda como um "projeto da CIA". O PT reconhece a luta de classe como um dado objetivo da realidade social e não como expressão de um projeto voluntarista. E acatou, desde o início, uma divisa principiológica: "Não há democracia sem socialismo, nem socialismo sem democracia". Compromisso que só uma direita chucra faz questão de desconhecer no PT, obtusamente. É bom lembrar esses fatos, antes que a névoa do obscurantismo apague toda lucidez no País.

 

Valdemar Menezes

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