PUBLICIDADE
VERSÃO IMPRESSA

Zig-zag das instituições

2017-10-15 00:00:00

Decisão do Supremo Tribunal Federal (por voto de desempate de sua presidente Carmem Lúcia) reconheceu que medidas judiciais contra parlamentares capazes de atingir o exercício do mandato popular só podem ser executadas após o Parlamento analisá-las e votar se as aceitam ou não. Com isso, atende-se ao que determina explicitamente o Art. 53, § 2º da Constituição Federal. Até então, o STF, por injunções políticas, segundo vozes críticas, vinha atropelando esse dispositivo constitucional. Que não funcionou no caso Eduardo Cunha (apenas se esperou que ele concluísse, junto com Aécio Neves, a trama do impeachment fajuto). Lembremo-nos de que o senador Romero Jucá foi gravado articulando o estancamento da “sangria”, que só poderia ser concretizada com a deposição de Dilma Rousseff num grande “acordo”, onde se incluiriam ministros do STF e comandantes militares. Está lá gravado. Também não valeu para o então senador Delcídio do Amaral (vinculado, na época, ao PT/MS), que foi preso sem o cumprimento da condição de “crime inafiançável”, exigido pela Constituição para a prisão em flagrante de um parlamentar.


“BLINDADO” MOR


Mas, agora, se trata de um senador do PSDB, Aécio Neves (alguém já viu algum tucano preso?), um dos políticos mais “blindados” da República, apesar de ter nove processos nas costas, inclusive uma gravação na qual ele pede ao dono da JBS dois milhões de reais para pagar a sua defesa na Lava Jato. Depois, veio a mala com o dinheiro carregada por seu primo em operação filmada pela Polícia Federal. Nem por isso, deve ser prejulgado, tendo direito ao devido processo legal. Por ser uma das figuras-chave do golpe, não seria simplesmente jogado ao mar. Por isso, se assistiu à reação do Senado que, de repente, “percebeu” a inconstitucionalidade (aliás, há poucas dúvidas quanto a isso) da iniciativa do STF. E bateu pé firme. O STF que havia atropelado a Constituição nas outras vezes, sempre aplaudido pelo sistema (segundo lamentam vários juristas) não quis, agora, trombar com ele, e cedeu. Menos mal, pois isso terminou beneficiando o Estado Democrático de Direito, pois significa o reforço da Constituição, pelo menos nesse ponto. E a Carta é a única salvaguarda do cidadão. Mesmo totalmente desfigurada pelos golpistas, é preciso brigar pelo que restou dela, e reempoderar o povo para restaurá-la.

 

CONTRAPARTIDA


A bola passou agora para o Senado, para que julgue Aécio Neves. Contudo, a esperança de que o voto, por ser aberto, tornaria mais difícil a absolvição do político mineiro, cai por terra, diante da anunciada manobra da adoção do voto secreto para julgá-lo. Terá sido “visionarismo” esperar que uma Casa, corresponsável por um golpe de estado contra uma presidente eleita pelo povo, tivesse algum resquício de pudor democrático? De qualquer forma, é preciso uma contrapartida ao salvo-conduto constitucional: deixado a si mesmo, um Congresso corrupto e irresponsável vira avalista da impunidade. Isso seria um deboche à sociedade. Esta precisa de instrumentos para controlar os mandatários, externamente. E o único ator que pode fazer isso, legitimamente, é o povo, através de mecanismos de democracia direta. Um deles: o poder de cassar o mandato de políticos, ou do Parlamento inteiro, por meio de recall (plebiscito revogatório de mandato), convocado por iniciativa dos próprios eleitores.


PODER CIDADÃO


A Constituição brasileira já dá embasamento a uma decisão desse tipo através do seu Art.1º § Único. O Congresso é que brecou sua regulamentação, até agora. As pessoas precisam fazer uma grande pressão nas ruas para aprová-la, caso contrário, políticos indignos, respaldados pelo poder econômico antinacional, continuarão a rir dos cidadãos. Isso só não foi aplicado até hoje porque a elite do País tem pavor a um sistema em que o controle seja feito diretamente pelos cidadãos. E golpeou a democracia todas as vezes que ela tentou abrir espaço a isso. Essa é a história dos 128 anos da República. Nela, só tivemos 29 anos de democracia plena: 1946-1947 (até o Partido Comunista ser cassado) e 1988-2016 (até ser deposta, ilegitimamente, a presidente Dilma Rousseff).


ILUSÃO


Apelar aos militares para punir os políticos corruptos, sob o pretexto de “purificar” a democracia, é um contrassenso e um tiro no pé. Seria como extirpar a doença, matando o doente. Primeiro, a Constituição não dá autonomia aos militares para agirem por conta própria. Segundo, se usurparem o poder, seu governo seria ilegítimo. O presidente seria o chefe da corrente militar preponderante. Sempre haverá nos comandos quem ache que pode fazer melhor. Basta ler os livros que o jornalista Elio Gaspari escreveu sobre o período militar. Para a “tigrada” - sempre incontrolável -, qualquer crítica ao regime podia resultar em prisão, tortura e morte. Se acontecesse, dentro de pouco tempo, os militares seriam odiados e se desgastariam por completo, não só pelos abusos dos “bolsões”, como por não conseguirem resolver os problemas do País. Quererão passar por esse desprestígio, de novo? É duvidoso. O prestígio de agora deve-se em muito (sem negar seus serviços positivos prestados à sociedade) ao fato de não estarem com a responsabilidade de governar. Sabem disso.


Adriano Nogueira

TAGS