PUBLICIDADE
VERSÃO IMPRESSA

Cautelares e compadrios

2017-10-22 00:00:00


A semana foi de retrocessos incalculáveis para a democracia. Na semana passada tinha havido, pelo menos, o consolo de se ver o STF reconhecer que errou, quando a 1ª Turma se excedeu e atropelou a autonomia do Senado, ao impor cautelares a um senador, ignorando o Art.53 §2º da Constituição Federal (“um parlamentar só pode ser preso em flagrante de crime inafiançável”). A própria Corte fizera o mesmo, nas prisões do ex-deputado Eduardo Cunha e do ex-senador Delcídio do Amaral. Contudo, o Senado preferiu apodrecer de vez quando, ao revogar as cautelares contra Aécio Neves (PSDB/MG), não cassou o seu mandato, em seguida. Ou, ao menos, iniciado seu julgamento político, mesmo que fosse para absolvê-lo abertamente. Nesse caso, teria de explicar à sociedade porque o absolvia (dando também a ele a oportunidade de defender-se na tribuna). Esse é o procedimento regulamentar. No entanto, o Parlamento, quase sempre, só o realiza quando o alvo é um adversário da coalizão dominante, na ocasião.
 


DESANDAMENTO

 

Já o STF desandou-se desde se deixou levar pelas conjunturas políticas e os jogos do poder, ao invés de manter-se aferrado à Constituição. Sempre que o establishment trombou com a Constituição a Corte cuidou de lhe dar uma interpretação que removesse o obstáculo, e o sistema pudesse respirar aliviado. Essa é uma reclamação muito ouvida nos meios jurídicos democráticos. Depois que as sessões da Corte passaram a ser televisionadas e suas gravações acessíveis, a qualquer tempo, pela internet, as contradições e os zig-zag das posições de alguns de seus membros – e do Pleno – puderam ser flagrados pela sociedade. E o espetáculo apresentado não favorece a Corte – segundo especialistas do Direito. Isso teria destampado a caldeira do arbítrio, com juízes, procuradores e policiais, aproveitando a “deixa” para realizarem seus instintos despóticos, como se tem visto nas denúncias contra a Lava Jato, sempre sob o pretexto de atender às “vozes da rua”. Estas, por sua vez, açuladas por certa mídia.
 


DISPARATE
 

Numa democracia verdadeira, jamais o juiz Sergio Moro estaria ainda à frente dos processos contra o ex-presidente Lula. Por seus gestos, ele não atua como juiz, mas como parte, segundo denunciam renomados juristas. A dúvida estende-se ao TRF-4, cujo presidente, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, adiantou, em entrevista ao Estado de S.Paulo, que a sentença em que o juiz Moro condenou Lula “é tecnicamente irrepreensível” e “vai entrar para a história do Brasil”. Seus críticos contestam que quanto a este último juízo, o magistrado está correto: entraria na História, mas, como exemplo de um dos ciclos obscuros de despotismo que infernizam o histórico do País – desta vez, despotismo da toga, sucedendo o das baionetas.


FRAUDE
 

Se qualquer cidadão comum processado tem direito a apelar para instâncias superiores para mudar seus julgadores – se tiver provas de que não são isentos, o que não dizer de um ex-presidente da República que deixou o poder com 80% de aprovação popular, apesar da guerra de difamação sofrida durante o polêmico e heterodoxo julgamento do mensalão do PT (o dos tucanos ficou impune, o mesmo ocorrendo com Aécio agora) e que continua sendo o maior líder popular do País, deixando possessas as forças incomodadas com seu governo – indagam os indignados? Mais ainda, depois que as pesquisas de opinião o apontam como o candidato vencedor em todas as simulações feitas para as eleições presidenciais de 2018, mesmo depois do massacre avassalador de sua imagem, nos últimos anos. “Se Lula não concorrer, as eleições de 2018 serão uma fraude” – eis o que rola nas redes sociais como alerta à opinião pública sobre o que se estaria tramando para afastá-lo da corrida presidencial. Se isso acontecesse – garantem – , seria a concretização da 2ª fase do golpe (a primeira foi o impeachment fajuto de Dilma, sem crime de responsabilidade).
 


SINAIS DE VIDA
 

A esperança de que algumas coisas voltem aos trilhos constitucionais apareceu em gestos como os da procuradora Geral da República e do Ministério Público do Trabalho (MPT), dado exemplo de resistência a esse desvario legal. Raquel Dodge deu dez dias ao governo para retirar portaria do Ministério do Trabalho que praticamente anulou a legislação de combate ao trabalho semiescravo e desarmou os esquemas de fiscalização. A Procuradoria Geral dos Direitos do Cidadão (PGDC) e outros segmentos de procuradores também parecem empenhados em ver o MP voltar à melhor tradição constitucional originária. Já no lado da magistratura, faltaria um papel mais proativo do Conselho Nacional de Justiça para disciplinar magistrados deslumbrados com o poder e fazê-los retomar o caminho de obediência irrestrita à Constituição. Há também grupos de juízes democráticos que não querem ser confundidos com a parcela retrógrada e autoritária. No vale-tudo que se estabeleceu, o povo ficou exposto a todo tipo de achaques. Por exemplo: quem poderá defender os idosos da ganância imoral dos planos de saúde privados? É aí, sim, que o cidadão quereria poder contar com a garra
do Ministério Público e do Judiciário.

Valdemar Menezes

TAGS