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Anauê em marcha

2017-10-08 00:00:00

A comoção causada nos meios democráticos pelo suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reforça a convicção, nos meios democráticos, de que o Estado de exceção avança no Brasil. O reitor foi preso, de forma ostensiva e abrupta apenas para ser ouvido e, segundo ele mesmo relatou, foi despido e colocado num cárcere, passando por várias humilhações, junto com outros seis membros da instituição. Depois que foi solto, foi proibido de ingressar na UFSC, como se fosse um criminoso. Tudo como resultado de mais uma operação espetacularizada da Polícia Federal. Pretexto: apurar acusações de supostos desvios de recursos e irregularidades em cursos de ensino a distância, no programa Universidade Aberta do Brasil (UAB). O reitor não se opôs. Mas, uma discussão técnica interna sobre se a investigação deveria ser feita pela corregedoria da universidade ou pela AGU e TCU (sendo esta última a opção seguida pelo reitor depois de orientação da Procuradoria da universidade) se transformou em acusação de obstrução de justiça, pela Polícia Federal, chamada a intervir.


FASCISMO
 

No velório do reitor, seu colega de universidade, desembargador Lédio Rosa de Andrade, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, depois de se declarar envergonhado de ser desembargador, neste momento, protestou: “Esta noite fiquei a pensar quando a Humanidade errou e não parou Hitler no momento certo, quando a Humanidade errou e não parou Mussolini no momento certo. Eles estão de volta. Será que vamos errar de novo e vamos deixá-los tomar o poder?” E arrematou: “Fascistas e democratas usam as mesmas togas. Eles (os fascistas) estão de volta. Temos que pará-los”. Já o Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) declarou em nota: “O IAB repudia atos de justiçamento público, antecipação de penas privativas da liberdade e quaisquer decisões judiciais tomadas em desrespeito aos princípios da presunção da inocência e da ampla defesa, alicerces maiores do devido processo legal”: http://bit.do/dPoRz).

DESCALABRO
 

Abusos do Judiciário foram também denunciados pelo ministro Sebastião Reis, do Superior Tribunal de Justiça, em palestra no Instituto Victor Nunes Leal, que expôs a omissão de instituições que deviam zelar pela lisura do ordenamento jurídico: “Hoje em dia é preciso mais coragem para absolver um inocente do que para tirar a liberdade de alguém (...) O Ministério Público e a polícia usam a imprensa com o intuito claro de criar pano de fundo favorável à acusação em processos e para defender projetos de lei absurdamente imorais, aproveitando-se da sanha acusatória que toma conta do País. Com isso, qualquer um que discorde dos órgãos de acusação é taxado como inimigo, cúmplice de bandido e favorável à corrupção (...) A omissão das instituições, apontou, levou o Brasil a uma situação absurda, onde as pessoas precisam ter coragem para defender o que acham justo. A presunção de inocência, segundo ele, “acabou” (...) “Quem é exposto na imprensa, independente se de maneira justa ou injusta, do dia para noite está condenado”. Condenou também a fala de juízes fora dos autos.
 

ATÉ TU?
 

Para completar, o STF acaba de tomar uma decisão espantosa (por voto de desempate), contra um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito: a irretroatividade da lei para punir. Só se pode retroagir na aplicação da lei se for para beneficiar o réu. Esse é um princípio básico do Direito. Pois bem, a Corte resolveu aplicar as punições da Lei da Ficha Limpa a ilícitos cometidos antes de sua promulgação. Reação do ministro Marco Aurélio: “Em 39 anos de judicatura, jamais me defrontei com situação tão constrangedora para o Supremo como essa (...) É regra básica o fato de leis aprovadas pelo Congresso terem efeito dali em diante, nunca para casos anteriores à criação da nova norma”. Celso de Melo, por sua vez, acentuou que a Constituição deve ser observada e os princípios da coisa julgada e do ato jurídico perfeito, respeitados. Para Gilmar Mendes essa decisão faz jus ao “Direito nazifascista” e em nada tem a ver com o sistema jurídico brasileiro.

REICH CABOCLO
 

Se as coisas estão assim na Corte suprema, imagine-se nas instituições intermediárias. Aproxima-se a fase em que será preciso temer pelo humor do inspetor do quarteirão (parodiando o vice-presidente Pedro Aleixo, ao discordar da implantação do AI-5, que radicalizou a ditadura, em 1968). O inferno do arbítrio já deixa escapar labaredas ameaçadoras. Nesse clima, como é possível esperar que Lula tenha um julgamento isento? Os abusos e tropelias denunciados a cada dia conspiram contra isso. Depois de desparafusarem as portas do inferno, a centro-direita golpista tenta empurrar de volta, tardiamente, o Quarto Cavaleiro do Apocalipse que ela havia deixado escapar e atiçado. Basta ver a última capa da Veja. Ele propõe-se a exterminar o que resta de Estado de Direito e as poucas conquistas civilizatórias toleradas pela Casa Grande. Lula, por sua liderança massiva e moderada, é o último anteparo ao dilúvio obscurantista que poderá transformar o Brasil num III Reich caboclo. Vejam a estupidez e o tiro no pé que os adeptos do pato amarelo vão dar. Vão ter de aprender o “anauê”, novamente, se não quiserem enfrentar os apupos das hordas bestializadas pelo ódio.

Valdemar Menezes

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