PUBLICIDADE
VERSÃO IMPRESSA

O equívoco militar

2017-09-24 00:00:00

Há um profundo mal-estar nos meios democráticos após as declarações ameaçadoras do general da ativa Antônio Hamilton Mourão, aventando a possibilidade de uma intervenção autônoma dos militares: “nós estamos numa situação de (...) ‘aproximações sucessivas’. Até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”. Ao contrário das notícias que o davam como contrariado com o subordinado, o comandante do Exército, general Eduardo Vilas Bôas, convalidou os conceitos deste a respeito da legalidade de uma ação militar autônoma, e afirmou que não o iria punir, em entrevista ao jornalista Pedro Bial,
em seu programa de TV.
 


EXCOMUNHÃO


Acontece que, pelo artigo 142 da Constituição Federal, as Forças Armadas não podem tomar a iniciativa de intervenção na vida do País, a não ser quando convocadas por um dos três Poderes da República. Fora disso seria golpe, como fez questão de frisar o ministro do STF Marco Aurélio de Melo. “E isso precisa ser excomungado”, arrematou, em entrevista concedida à revista Conjur. Mas, concedeu que os militares não precisam ficar inertes numa eventual situação de caos: “Caos é quando as policias militares não foram suficientes para segurar as ruas. Teria que ser uma situação conflituosa, de quase guerra civil, e havendo ineficácia das forças repressivas (...). Agora, é um ato extremo, só [cabível] quando não houver realmente como segurar. Mas não para combater a corrupção”. Esse é o entendimento dos que se pautam pela Constituição.
 


ACLARAMENTO
 

Para os segmentos democráticos é imperativo e urgente que o STF explicite a interpretação correta do Art.142 da Constituição Federal, que trata da intervenção militar, escoimando toda ambiguidade. Não cabe aos militares fazer essa interpretação. Pois um equívoco por parte de quem tem as armas na mão pode trazer uma nova tragédia à democracia brasileira. Há quem ache uma ingenuidade essa ponderação, diante da evidência histórica de que a força do direito pouco pode fazer diante do direito da força. Mas, nesse caso, ao menos ficaria exposta a ilegalidade e o embuste. Portanto, cabe à OAB, ABI, CNBB e outras entidades da sociedade civil que lutaram pelo Estado Democrático de Direito, segundo os críticos, impetrar no STF o pedido de aclaramento público e definitivo do polêmico artigo, fechando brechas à ambiguidade.
  

 

RESPONSABILIDADES
 

É verdade que a sociedade brasileira, em sua expressão esmagadora, está indignada diante do descalabro ético que se acumulou ao longo de décadas no aparelho de estado brasileiro (inclusive antes e durante a ditadura, como confessou a Odebrecht e asseverou, em artigo, o empresário Ricardo Semler, ao se referir à Petrobras). Alguém se lembra dos casos Capemi, Coroa Brastel, Brasilinvest, Paulipetro, grupo Delfin, projeto Jari? É mito dizer que não havia corrupção durante a ditadura. Ela continuou nos governos democráticos e alcança sua máxima degradação após a destituição de Dilma Rousseff e a ascensão de uma “quadrilha” ao poder, segundo os autos da acusação.
  

 

LEGITIMIDADE
 

Só o povo (fonte originária da legitimidade política), através da aplicação dos poderes que lhe são conferidos pelo parágrafo Único do Art. 1º da CF poderia, através de plebiscito revogatório, destituir o Congresso e convocar uma Constituinte para reordenar a vida política do País, não os militares, que não têm mandato para isso. A Constituição comporta, nos seus fundamentos principiológicos, a solução da intervenção direta do povo para resolver a anomalia institucional, não os militares, que não têm mandato para isso. Quando se dá uma intervenção militar, sabe-se como começa e nunca como termina. Mesmo a coesão militar imposta pela disciplina castrense não resistiu, após o golpe de 1964, ao fracionamento inevitável das facções internas, nos quartéis, em luta pelo monopólio do poder. Em plena ditadura, houve confrontos políticos entre a alta oficialidade que quase chegaram às vias de fato, como a tentativa de deposição de Geisel por seu ministro da Guerra, o general Sílvio Frota, em 1977.
 


ANARQUIA
 

O jornalista Elio Gaspari, que herdou os arquivos secretos do criador do SNI, general Golbery do Couto e Silva, em artigo publicado, em 2010, na Folha de S.Paulo, escreveu: “Em mais de meio século de anarquia [militar], a pior bagunça ocorreu precisamente durante os 21 anos de ditadura militar”, quando “produziu e institucionalizou um aparelho repressivo que se deu à delinquência da tortura, do assassinato de cidadãos e do extermínio de militantes de organizações esquerdistas. Começaram combatendo os grupos que, entre 1966 e 1973, se lançaram num surto terrorista. Terminaram com um pedaço dessa máquina fazendo seu próprio terrorismo, botando bombas em instituições acadêmicas, bancas de jornais e entidades como a OAB e a ABI”. Portanto, é outro mito imaginar que uma intervenção militar traria tranquilidade e ordem para a sociedade.

Valdemar Menezes

TAGS