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Compro asas em qualquer estado
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Compro asas em qualquer estado


As coisas fundamentais não estão à venda. O título desta crônica, por exemplo, é tão bonito que eu nunca poderia ter comprado. Foi presente de um escritor de quatorze anos, Francisco Giani, trecho de um poema seu sobre a necessidade humana de voar. Se um poeta tão jovem já sabe disso, que a vida pede leveza e constantes sobrevoos, devemos recobrar nossas esperanças no futuro, na geração que consegue enxergar além.

 

Conheci outra artista de quatorze anos, a Malu, que desenha como Marc Chagall, sem saber. As pessoas das suas pinturas tem asas. Borboletas são feitas da matéria do corpo de uma mulher. Outra olha o céu pela janela envolta em um manto azul estrelado. Se ela me permitisse o atrevimento de dar nome a essa pintura, eu chamaria de Estrelejar. Merece uma moldura azul.

 

Há uma geração que estreleja no anseio de um mundo novo. O papel das artes em tempos de massacre nunca foi tão necessário. Vivemos massacres no plural, de diversas ordens e precisamos escapar deles.

 

Precisamos olhar para as forças contrárias com a coragem do enfrentamento. Uma das maiores asneiras que qualquer gestor pode dizer é chamar o investimento em arte de desperdício. Alguém que é capaz de falar isso nunca foi arrebatado por um poema, uma música, um quadro. Não sabe o que é ver a vida transformada por um livro. Nunca esteve diante de uma orquestra, de um músico solitário que transforma o tempo em dom e o dom em alegria.

 

Prefiro acreditar que estamos movimentando as coisas para o bem. São movimentos dolorosos, sim. Vamos tirar o olhar para as grandes corporações, grandes somas de dinheiro, grandes oportunidades. Chegou o momento de enxergar os olhos dos jovens, formar pequenos grupos, incentivar quem está ao lado e criar, através da arte, uma nova perspectiva de mundo.

 

Louvo a Fundação Casa Grande, o Grupo Bagaceira, a Editora Moinhos, a Livraria Lamarca, o Suplemento Pernambuco, a Todos os Poemas, os alunos do ICA-UFC, o Coletivo Delirantes, os meus alunos do Ateliê de Narrativas, as bordadeiras literárias da Casa Bendita, as pessoas que estão juntas, em grupos, buscando fazer o pouco que conseguem e que é tanto! Louvo a quem tem esperança, a quem faz o que pode e entrega todo o coração a um sonho.

 

Louvo ao leitor que mandou um e-mail semana passada dizendo que minha crônica sobre o Jardineiro do Convento tocou até o seu coração de pedra. Pois se fiz mesmo isso, caro leitor, já termino o ano feliz. Uma das missões da palavra é chegar nos recônditos mais difíceis. Se eu entrei no seu coração, louvado seja, mas não acredito em corações de pedra. Acredito mesmo no tempo e nas pessoas. Sobretudo, acredito no amor. Quando chega na hora certa, não tem pedra que resista.

 

A frase do Francisco Giani me fez lembrar Der Himmel über Berlin do Win Wenders, traduzido no Brasil como Asas do Desejo. Os pássaros e os anjos podem ir voando para onde a alma manda. Pois eu espero que você, que me lê agora, também encontre no Ano Novo o que te faz sentir crescer asas nas costas e te permita voar. E que seu coração esteja exatamente onde e com quem gostaria de estar. Vai ser um ano bom, sim. Vamos dar um jeito.

 

Foto do Socorro Acioli

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