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Alegria
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Alegria


Hoje, bem cedinho, eu ganhei uma palavra de presente: alegria. Estou pensando nela desde então. Primeiro no som, na combinação equilibrada entre a delicadeza das suas vogais e a firmeza do encontro de consoantes. Basta dizer em voz alta: alegria. Alguma coisa acontece. Depois, pensei nas músicas e poemas que falam de ser e estar alegre. Até concordo que a tristeza faz bom samba, mas a alegria é luz no caminho. Às escuras ninguém anda bem.

 

Respeito as palavras sobretudo porque são mais antigas que eu mesma. Nasci sem saber de nada e elas já habitavam o mundo. Esperaram por mim até que eu pudesse compreender seu poder. Foi quando fizemos um acordo de vida, um pacto de amor. Vivo por elas, com elas, cercada de palavras por todos os lados.

 

Meu ofício é cuidar dos vocábulos, criar mundos feitos de letras e adivinhar possibilidades para, depois, doar cada uma em um gesto de entrega sincera e amorosa.

 

A alegria que ganhei hoje viveu muito para chegar ao meu coração. Por pouco desencontramos. Invadiu meu sorriso exatamente no percurso para o trabalho, diante do mar, ao lado da Avenida Leste Oeste, uma via que tem um nome-bússola. É sorte viver perto da praia. Mais sorte ainda é achar um caminho bonito para trilhar no meio da rotina, esta palavra ardilosa que sequestra a alegria de vez em quando.

 

O Dicionário de Etimologia diz que alegria significa animado, vivaz, contente, de ânimo leve. Animado é o que tem alma. Tudo vem do latim felicitas, raiz etimológica da palavra felicidade - o que nos faz pensar na diferença entre ser alegre e ser feliz. Há também a relação com a fecundidade. O dicionário diz que os alegres produzem mais e melhor, fecundam, fazem brotar o novo.

 

Cheguei ao trabalho e a alegria entrou junto comigo em sala de aula. Os alunos perceberam, pouco a pouco, que eu trazia companhia. Quando dei por mim, estavam contagiados, contando suas histórias, criando mundos imaginários, um grupo de jovens aprendendo a acreditar nas palavras como usina de vida.

 

Essa alegria toda me fez pensar em outras palavras que começam com a mesma letra-mãe do alfabeto. Abraço, afago, alma, agrado, alucinação, audácia, Almofala, Alentejo, um rosário de coisas bonitas que um fluxo de associações constrói para o bem de quem não desiste nunca de brincar.

 

Dr. Freud disse que escritores são como crianças pois fazem da fabulação e da fantasia uma brincadeira. Eu acredito nele. As palavras, de certa forma, são peças de um jogo. Formam pares, mesmo quando não rimam. Por exemplo, o par perfeito da alegria é o amor. Dissolvendo as linhas das letras, formam o símbolo do infinito. Sempre haverá alegria se o amor estiver presente.

 

Foto do Socorro Acioli

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