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Diálogo imaginário com o Sr. Juventino
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Diálogo imaginário com o Sr. Juventino


Juventino é um personagem que acabo de inventar. Ele tem a função de reunir, em uma só voz, as principais perguntas e críticas que recebo desde quando comecei a ministrar meu Ateliê de Narrativas, um curso de formação de escritores que já orientou mais de 400 alunos no Brasil e no exterior.


Juventino já chega com uma verdade absoluta: quem tem talento não precisa de curso. Escritor nasce com um dom, e isso basta. Eu poderia apenas dar um sorriso e ignorar, mas quero ajudar Juventino a parar de disseminar o desrespeito à profissão do escritor. Existem as pessoas que escrevem em cadernos, diários, blogues, cartas, redes sociais, bilhetes para os amigos, e-mails. E existem as pessoas que tem a escrita como trabalho, ganha-pão, ou que estão tentando se profissionalizar.


- Quem quer escrever só por prazer ou vaidade não precisa mesmo de curso, Juventino. Você tem razão. Se o texto da pessoa for ruim, não vai matar ninguém. Mas, se por um acaso a criatura quiser publicar, ser lida, ser respeitada, conseguir lugar em uma editora e no mercado, vai ter de estudar, sim. Mesmo que não faça um curso, vai ter de encarar a escrita com seriedade e estudar sozinho.


Juventino, bem irritado, diz que esse negócio de curso para escritor é coisa de americano, que quer plastificar a arte. Eu continuo tentando sorrir ao dizer, de forma direta, que o pai da formação de escritores chama-se Aristóteles, que publicou a Poética no século IV a.C . Faz tempo, viu, Juventino?


Ele muda de assunto. Diz que pode até ser, mas esses tais cursos fazem com que todo mundo escreva a partir de uma fórmula predefinida. Olhei para ele muito séria e disse:


- Você já fez curso comigo, Juventino? Já viu uma aula minha? O título do livro que vou publicar é “A história que só você pode contar”. Esse é meu lema: cada autor tem de ter voz própria. Na mesma turma, tenho alunos escrevendo para crianças, jovens, adultos. Romances e contos, humor e ficção científica, histórias de sertão, de cidade grande, na Noruega, no Cariri. Comigo não, Juventino. Eu não sigo fórmulas, eu ensino ferramentas e oriento com muito respeito, respeitando o talento de cada um.


Depois de me ver tão séria, Juventino confessou, que na verdade, tem muita vontade de fazer um curso, mas tem receio que seus pares falem mal dele, pois um escritor de verdade não vai atrás de aula, já nasce com talento. E além do mais, ele faz parte de mais ou menos dezessete academias de letras (ele demorou a dizer o número porque perdeu as contas). Não seria humilhação demais demonstrar que preciso aprender? – perguntou, soluçando. E eu respondi:


- Conhece a fábula da raposa e das uvas? É isso que está acontecendo com eles, Juventino. Diga a eles que dezesseis alunos do curso de Escrita Criativa da Universidade de Iowa ganharam o Pulitzer. Que T.S Eliot , Joyce Carol Oates, Philip Roth deram aula de escrita. Que Ian McEwan, Kazuo Ishiguro fizeram cursos também. Ou então não diga nada. O caminho é de cada um.


Juventino despediu-se, reflexivo. Não sei o que vai decidir. Só espero que pare de desrespeitar o trabalho alheio, de professores e de alunos que entendem a escrita como profissão. Se Juventino quiser ser meu aluno, será muito bem recebido. Em cada aula, um cacho de uvas.


Foto do Socorro Acioli

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