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Dinâmicas dos homicídios em Fortaleza

2017-08-21 01:30:00

As notícias não são nada boas: em seus primeiros sete meses, 2017 desponta como o ano mais violento da história do Ceará, superando 2014, que se encerrou com 4.439 homicídios. Há tempo para que essa tendência se reverta, por óbvio, mas o que vemos é uma curva ascendente sem que haja sinais de arrefecimento. Ao contrário de 2014, o cenário atual é de conflito deflagrado entre grupos criminosos organizados e com elevado poder de fogo que veem na barbárie ritualizada e compartilhada via redes sociais uma demonstração de força.

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A dinâmica dos assassinatos em Fortaleza, contudo, não pode ser explicada unicamente pela variável da “guerra de facções”. Há fatores estruturais que permitem uma melhor compreensão do problema. Estou realizando uma pesquisa que abrange os índices de homicídios relativos ao período entre 2013 e 2016 e suas correlações com indicadores como apreensão de arma, apreensão de drogas e o Índice de Desenvolvimento Humano por Bairro (IDH-B), indicador que congrega dados sobre renda, educação e longevidade. O que se segue são os primeiros achados dessa investigação.


Fortaleza se divide em Áreas Integradas de Segurança (AISs) com taxas de mortalidade que variam pouco entre si. As exceções são a AIS 3 (dos bairros Aldeota, Cocó e Fátima), com uma taxa de 1,9 homicídio por 100 mil habitantes, e a AIS 4 (dos bairros Jangurussu, Messejana e Luciano Cavalcante), com taxa de 9,8 homicídios por 100 mil habitantes. Como se vê, a probabilidade de um morador da Messejana ser assassinado é quatro vezes maior do que quem reside no Cocó.


Só os indicadores sociais, contudo, não explicam a distribuição das mortes violentas. Áreas com baixos IDH-B, como a AIS 1 (dos bairros Barra do Ceará, Centro e Benfica), AIS 2 (dos bairros Pici, Bom Jardim e Siqueira) e AIS 5 (dos bairros Montese, Maraponga e José Walter), possuem taxa de mortalidade bem menor que a AIS 4.

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Para que se possa ter um quadro mais completo do problema é preciso articular os índices socioeconômicos às estatísticas criminais. A correlação é uma ferramenta estatística bastante útil para que possamos ter uma visão mais abrangente de como a criminalidade se distribui espacialmente, ainda que não se possa estabelecer uma relação direta de causa e efeito. Em uma escala de -1 a 1, quanto mais o indicador se aproxima de 1, mais as variáveis têm afinidade entre si e vice-versa.


Como não há controle sobre a circulação de armas de fogo não é possível afirmar com precisão o tamanho desse mercado ilícito. Uma forma de estimativa se dá por meio das apreensões realizadas. Se uma grande quantidade de armas é apreendida, isso pode ser considerado como um indício de que há muito armamento circulando por aquela área. Ao analisar os índices de 2013 a 2016, a correlação média entre homicídios e apreensão de armas de fogo em Fortaleza é impressionante, chegando a 0,9. Os Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVPs), que reúnem todas as modalidades de roubos, com exceção do latrocínio (roubo seguido de morte), também possuem uma forte correlação com os homicídios, com média de 0,7.


Por muito tempo, o discurso oficial sobre o crime pregava uma forte repressão ao tráfico de drogas como uma forma de redução dos assassinatos. Diversas campanhas e mobilizações foram feitas nesse sentido. O que a minha pesquisa mostra é que há correlação entre as apreensões de entorpecentes e homicídios em Fortaleza, mas ela vem diminuindo ao longo do tempo, embora a quantidade apreendida tenha aumentado.


Em 2017, as AISs de Fortaleza foram reestruturadas, tendo seu número ampliado de sete para dez, inviabilizando a comparação com os anos anteriores. Uma análise rápida dos números, no entanto, mostra que a correlação entre homicídios versus armas de fogo permanece maior que a de homicídios versus drogas, mas os números diminuíram (0,5 e 0,1), indicando uma mudança no perfil criminológico da Capital e um novo desafio para quem estuda a violência. Essa alteração pode representar uma chave de leitura para compreendermos as razões pela qual estamos vivendo uma nova escalada nos assassinatos.


P.S. Uma correlação que em nada se baseia na estatística é a de que a atual epidemia de homicídios não afeta as classes média e alta da Capital. Não há sinais até o momento de nenhuma movimentação semelhante à Fortaleza Apavorada. O medo da morte, por enquanto, restringe-se s margens da Cidade.

 

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