A Fortaleza de Moroni
Em maio de 2014, publiquei uma coluna detalhando o Plano Municipal de Segurança Cidadã (bit.ly/aapostadaprefeitura), promessa de campanha do primeiro mandato do prefeito Roberto Cláudio. O plano se estruturava a partir de seis eixos: melhoria dos contextos urbanos, prevenção à violência nos segmentos vulneráveis (violência doméstica, LGBT, étnico racial e de gênero), prevenção à violência juvenil, participação cidadã, fortalecimento da Guarda Municipal e institucionalização. Seu carro-chefe era o Programa de Pacificação Territorial (PPT), que pretendia reunir diversas ações governamentais, de forma integrada e contínua, em uma única região.
A ideia era que o PPT atuasse de “forma intensa e cirúrgica em regiões vulneráveis que sofrem com o abandono do poder público”. Fortaleza receberia dez territórios pacificados, com os três pontos focais iniciais estabelecidos no Conjunto São Miguel, no Vicente Pinzon e no Quintino Cunha. De lá para cá, contudo, o plano não saiu do papel. Algumas das propostas foram diluídas em ações pontuais e a ideia de pacificação foi incorporada pelo Pacto por um Ceará Pacífico, do Governo do Estado.
O segundo mandato de RC, por sua vez, trouxe consigo uma profunda mudança no modo como a Prefeitura compreende a Segurança Pública. O Plano Municipal de Proteção Urbana (PMPU), proposta idealizada pelo vice-prefeito, Moroni Torgan, prevê ações de prevenção primária (urbanização, lazer e iluminação), secundária (iniciativas culturais, educativas e esportivas, além de ações de geração de emprego e renda) e terciária (vigilância eletrônica, patrulhamento e vigilância comunitária). O carro-chefe dessa iniciativa é a criação de células territoriais espalhadas pela cidade formadas por torre de observação, 40 câmeras por unidade dispostas em X, uso de drones e reforço no efetivo da Guarda Municipal. O plano traz ainda como novidade o programa Olho Vivo, aplicativo que envolveria a comunidade na vigilância urbana por meio de denúncias e informações. A proposta já foi apresentada na Câmara Municipal e deve começar a ser implementada ainda este semestre.
Parece haver uma desconfiança dos gestores em programas de longo prazo e que proponham mudanças estruturais. Há um forte apelo para medidas emergenciais com viés punitivista. Uma das descobertas do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência foi a de que os homicídios se concentram em regiões conhecidas como assentamentos precários, áreas sem qualquer tipo de serviço público de qualidade. Temos 840 assentamentos precários na Capital. Desse total, 60 concentram a imensa maioria dos assassinatos. A Recomendação 3 do Comitê, “qualificação urbana dos territórios vulneráveis aos homicídios”, é bem explícita sobre o que se pode fazer para tentar reverter esse quadro. O impacto positivo dessas medidas certamente seria mais duradouro, embora tenha menor alarde midiático e seja de mais difícil execução.
Uma política baseada na vigilância não deixa de ser uma política criminalizante. Os protagonistas das câmeras e dos aplicativos vão ser os alvos de sempre: jovens negros e moradores de periferia, que terão sua circulação limitada e monitorada diuturnamente. O que poucos sabem é que vem dessa juventude a grande novidade política e cultural de Fortaleza: os rolezinhos e os saraus. Apoiar esses coletivos e ouvir atentamente suas demandas faria mais pelo fortalecimento de uma cultura de paz na Cidade que a instalação de torres. A Segurança Pública não pode se restringir à dimensão do controle social, mas é isso o que o plano da Prefeitura entrega, pelo menos em suas linhas gerais. A Fortaleza de Moroni é uma fortaleza vigiada. Precisamos de uma Fortaleza segura, mas que a vida pulse em seu interior.