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Arma de fogo não dá em árvore

2017-06-26 01:30:00

A expressão que nomeia esta coluna foi dita por uma pessoa que atua nas comunidades de Fortaleza ao se referir sobre o comércio ilegal de armas de fogo. O arsenal que circula nas favelas não foi produzido lá, assim como a cocaína que é comercializada nas bocadas. Para chegar nas mãos dos criminosos, as armas precisam percorrer longas distâncias. A Forja Taurus, líder do segmento de produção de armamentos na América Latina, por exemplo, é sediada no Rio Grande do Sul, a 4 mil km do Ceará.


Na semana passada, O POVO noticiou que 8.928 armas de fogo foram apreendidas no Ceará entre janeiro de 2016 e maio deste ano. Embora a posse de submetralhadoras e escopetas chame mais atenção dos meios de comunicação, a grande maioria dos armamentos apreendidos é composta por revólveres (58%), espingardas (23%) e pistolas (14%), produtos cuja fabricação é dominada por empresas nacionais, como a Taurus e, sua subsidiária, a Rossi. Embora não haja levantamento específico para o Ceará, a pesquisa “De onde vêm as armas do crime apreendidas no Sudeste?”, do Instituto Sou da Paz, revela que 60,9% das armas de fogo apreendidas em 2014 pelas polícias daqueles quatro estados possuem fabricação nacional. Entre a munição apreendida, o calibre 38 é o mais comum, com 30% dos registros. De acordo com o instituto, trata-se de calibre de uso permitido, estando sujeito a condições de controle menos rigorosas. “É um calibre bastante comum em revólveres usados por empresas de segurança privada, guardas municipais e também entre cidadãos que obtêm licença de posse”, afirma.


Os dados da pesquisa contrastam com o discurso oficial de que o grande problema das armas de fogo é a necessidade de reforçar as fronteiras para evitar que o armamento chegue ao País. O Brasil, para quem ainda não sabe, é o quarto maior exportador mundial de armas de porte e munição.

Trata-se de um negócio que rende bilhões e opera sob quase nenhum controle e com bastante apoio da Bancada da Bala no Congresso. Se as armas foram vendidas para fora do País e só então foram contrabandeadas, o registro da venda deve passar pela autorização do Ministério da Defesa. Se elas foram adquiridas legalmente por usuários nacionais, algum extravio ocorreu para quem fossem usadas para a prática de crimes. Mas quem compra tantas armas? Quem transporta todo esse arsenal? E quem revende para os criminosos locais? São questões que teimam em não ser respondidas. De acordo com o Instituto Sou da Paz, o maior conhecimento dessas dinâmicas pode resultar em ações preventivas com maior impacto na redução da circulação de armas de fogo em solo nacional. Por causa dessa intransparência, o mercado de armas, no Brasil, constitui-se a maior caixa-preta da área da Segurança Pública.


Dados do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência mostram o impacto das armas de fogo nas mortes dos nossos jovens.

Enquanto no município de Horizonte todos os adolescentes vítimas de homicídios foram mortos por arma de fogo, em Fortaleza o índice é de 94%. Uma das conclusões do comitê foi a de que o Ceará não possui uma política clara sobre o controle efetivo das armas apreendidas, abrindo a possibilidade de que o armamento retorne às mãos dos criminosos.


Participei de uma entrevista no comitê com membros da segurança pública em que o assunto foi discutido. Um oficial da PM descreve o cenário atual de controle estatal das armas de fogo: “Os clubes de tiro têm controle? Têm! Mas a fiscalização é fraca. As armas de fogo circulam normalmente? Circulam! Entre policiais há casos? Existem! As armas apreendidas são monitoradas constantemente? Não. Quando elas chegam em determinado ponto, o monitoramento para. Essa arma pode sair e voltar, ser utilizada para o crime e voltar? Pode! Muitas armas são locadas e existem criminosos especializados em locação de armas”.


Com o objetivo de aprimorar o controle de arma e munições, o comitê propõe a formulação de um Plano Estadual de Controle de Arma que dê transparência às informações relativas à venda de armas, bem como sobre a origem do arsenal apreendido e seu processo de destruição. Trata-se de um passo decisivo para que a sociedade possa ter conhecimento, de forma detalhada, do modo como o Estado lida com essa questão. A medida, no entanto, precisa sair do papel e se tornar uma política pública efetiva podendo inclusive ser incorporada ao Ceará Pacífico. Definitivamente, arma de fogo não dá em árvore. Precisamos saber quem está lucrando com tantas mortes.


O Brasil, para quem ainda não sabe, é o quarto maior exportador mundial de armas de porte e munição. Trata-se de um negócio que rende bilhões e opera sob quase nenhum controle e com bastante apoio da Bancada da Bala no Congresso

Adriano Nogueira

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