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Bares em tempo de cólera
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Bares em tempo de cólera

 

A Newton Padilha

 

Há poucos lugares sagrados como o bar. A liturgia do espaço confortável, do garçom atento, do silêncio reconfortante e da bebida honesta, para ficar somente nestas santas virtudes, faz do passa-raiva um sacrossanto recinto, cantado em verso e prosa por um ror de gente boa. Há muito frequento essas igrejas, com seus acólitos engraçados e seus celebrantes taciturnos, às vezes intratáveis. Mas, ah, como fazem bem à alma. Funcionam como um bálsamo sagrado, experimentado diariamente, entre as tribulações da lida e do lar. Seu catecismo é de uma simplicidade franciscana: bater papo, jogar conversa fora, curtir o miolo de pote. Debate, discussão e diatribe não harmonizam bem com o ouro, o incenso e a mirra que o ambiente borrifa em nós, seus fiéis diaristas.

 

Entretanto, nestes últimos meses, os bares desta Loura Muito Doida do Sol se transformaram em verdadeiros campos de batalha. Com o País dividido e o ódio solto no ar, os soldados de cada lado organizam-se em trincheiras feitas de mesas e cadeiras, com o mais corajosos (minute men) empoleirados no balcão. Uma falsa cortesia, uma polidez de araque, um não-sei-quê de coisa nenhuma regem a convivência dos habitués. De quando em vez, quando o cão sai da garrafa, o bode, malcheiroso como ele só, entra no salão e o fuá se instala. A onipresente turma do deixa-disso, já cansada de tanta guerra, já não tem forças para celebrar a paz. Ânimos serenados, alguém metido a pomo da discórdia diz que o Fortaleza vai terminar em 5º na Série B. Nitroglicerina pura.

 

Nem nos tempos duros da "redentora" vi coisa igual. Nos muitos botequins onde ando, recolhendo material para a faina de arquiteto e a redação destas mal-traçadas, é um tal de cara virada, muxoxo, mungango, cotoco, palavrão, boca franzida que nem conto a vocês. Trocamos a cordialidade, o chiste bem contado, a pilhéria espirituosa pela agressão movida a intolerância. Bebemos álcool como quem joga gasolina num incêndio. Nem a moça roliça que passa com graça chama mais a atenção da turma boa de bico. O gol de placa, a fofoca deliciosa, o caso secreto, o chifre descoberto, antes assuntos preferidos pelos convivas, não mais batem a passarinha destes. Só dá fake news, caixa 2, lava-jato e outros temas que já encheram até a tampa. Há que virar a página...

 

Escrevo estas linhas no sábado 27/10 aqui no meu tugúrio no Joaquim Távora. Como dizia Tancredo Neves, eleição e mineração só depois da apuração. Para uns, são favas contadas. Para outros, há um cheiro de virada no ar. Se fosse para adivinhar, seria melhor acertar o número do bilhete premiado da loteria. 

 

Para mim, custa-me crer que haja gente que pretenda instaurar a ditadura no poder pelo voto. Contudo, há muitas pessoas que, infelizmente, pensam assim. A crônica desta segunda-feira marca o meu sexto ano n'O POVO. Um bom presente de aniversário não seria nada mal. Contudo, às vezes, uma pergunta me assalta: estaria o Brasil doente? Uma certeza: este clima pesado não vai se acabar com o resultado das urnas. Pedido de amigo: quero o meu bar de volta!

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