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O Cáucaso Baliostro
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Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.

O Cáucaso Baliostro


O céu tardou azulecer de manhãs ao abrir o palmoemeio dos olhizarcos.


Bramia o galo, feito fera, seu cocoricoado de dia pós dia:


“Deixasse de refestelamento, desencostasse as costelas, espichasse as patelas, abrisse dos ombros, armasse as tábuas do queixo. Fosse homem ou o deixasse de ser!”


Medrava pela estrela anônima a sucumbir desassistida quando deslajeou os guias da cara com caldo de cacimba. Dejetou. Dejejuou. Desejou ali mesmo um fim do mundo, senão da agonia e o mais imediato de si. Do quintal, varejava formigas e assoprava baforadas de fumo cor de jenipapo quando suspirou de doces e limão um gemelancólico “ai!”


Certo se tinha: Baliostro em berros da alma tirocinava um envenenado amor, daqueles que há de suspenso a própria vida, em tum-tuns apenas cochichados no roto e quase morto coração: “Je suis cídio”


Ainda pior, o cáucaso não supunha nem ideia por quem alentava taltanta devoção. Esta, de primeiro, a razão de sua incomportável e solsticial ruína a tomar de brejo o ânimo e a paciência. Donde ser-lhe penitente o renque de dias a contar ocasos do não viver desse irrevelado e desértico amor.


Frustrado, pôs-se ele em joelhos às patas elefânticas do infinitésimo, mente farta do fastio da humanidade, cujo responso lhe chegou em libras: “arrazoa, azoa, azoina, azorata, azia, azáfama, soidão... ê ê ê”


Sucedeu noite há tempo: dormia, distraído como relógio. Um molusco luminoso espreitava os punhos tesos de sua fianga. Era o temível demônio Súcubo, cuja boca de cem dentes se arraigaria ao pescoço do homem, convencendo à mente imagética um absurdo de inevitável mulher a dominá-lo em pesadelos seminais.


Assim, Baliostro, absoluto e entregue aos enleios de Súcubo e à própria libido, se deixou secar, desaguar todo peso do espírito, aquele amor que lhe ardia e coitava o peito em uma conjunção adversativa e proparoxística da carne.


Contudo, o demônio surpreendentemente surpreendeu-se. Já não na milhenar existência experienciara de tão fecunda fonte de paixão e obscenidades. Foi quando assistiu ao corar de uma mancha rubra prenhe em seu tórax veiado, calando a razão pela sede da cobiça. Ao partir, por pouco à luz da vergonha, entornou uma gosma, feito lágrima príncipe e sem sal, pois entre todas as suas vítimas, desde a fronteira do spiritus e o parir do mal, marcara seu estigma de exclusividade para o proveito daquele servo em bagaço, condenando os dois ad vitam aeternam!


E foi assim que Baliostro despertou quase senil e repleto de obscura saudade:


O céu tardou azulecer de manhãs ao abrir o palmoemeio dos olhizarcos.


Bramia o galo, feito fera, seu cocoricoado de dia pós dia, dia após dia... para toda a eternidade.

Foto do Raymundo Netto

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