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A Catraca
Foto de Pedro Salgueiro
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Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como

A Catraca


Se algum visitante olhasse a cidade, pensaria em qualquer acontecimento grave: um surto de doença contagiosa, uma repentina mudança da moeda, enfim, algo inesperado. Andasse um pouco e notaria logo a causa de tanto transtorno – a catraca dos ônibus coletivos fora mudada, repentinamente, da porta de trás para a da frente.


Nos primeiros dias foi uma atrapalhação, passageiros erravam, forçando a porta traseira e tentando seguir o caminho de sempre. Uns aprenderam logo e trataram de “tirar o couro” daqueles que erravam: as brincadeiras foram grandes, variando de riso leve a gargalhadas e vaias – a resposta dos pouco precavidos nem sempre era passiva. Para piorar tudo, nem todos os ônibus mudaram a posição da roleta, obrigando o usuário a fazer uma escolha cega na hora de se dirigir à porta, correndo sempre o risco de levar uma sonora vaia dos que se encontravam dentro do veículo.

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Um mês ou mais foi o tempo para que a maioria se acostumasse com a mudança; se bem que, mesmo depois de meses, ainda aparecia alguém mais distraído a trocar de porta, levando em seguida o tradicional buzinaço do motorista e a costumeira malhação dos passageiros.


E não houve um só habitante desta cidade que não tenha se enganado com a catraca. Porém o mais patético foi o caso de um senhor que, errando, forçava a porta de trás: levou a buzinada com as respectivas vaias e humildemente rumou para a porta dianteira e, de cabeça baixa, enfrentou o riso geral – com resignação pagou a passagem e passou pela atrapalhada roleta, sentando-se em seguida; quando, vinte minutos depois, resolveu descer, não titubeou e dirigiu-se de novo à maldita catraca, pagando novamente a passagem e até recebendo o auxílio do também esquecido trocador, que (inutilmente) o ajudava, forçando o roletão ao contrário: e só nesse instante foram notados pelos passageiros, que, numa estrondosa gargalhada, despertaram os dois distraídos.

Foto do Pedro Salgueiro

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