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Fortaleza das Crianças
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Fortaleza das Crianças


Em sua busca para se destacar na trama dos entrepostos urbanos mundiais, Fortaleza precisa caprichar mais no seu dever de casa, ampliando os cuidados com as crianças para que estas possam contribuir com o cuidar da Cidade. O modo como a infância é pensada nas metrópoles passa pelo fortalecimento de referências geográficas e narrativas na forma de estímulo para que meninas e meninos desenvolvam relações afetuosas com o lugar onde moram.

 

Um campo de aproximações estimula a frequência criativa, de lazer, esporte, arte, ócio e contemplação, reduzindo na meninada a desagradável sensação de falta de lugar no mundo adulto. É bom quando uma cidade se prepara para, sem obviedades, receber os interesses, o olhar aprendiz, o andar despretensioso, a atenção sincera, o prazer engenhoso e a espontaneidade infantil na relação corpo-ambiente.

 

Esse estado de aceitação é feito de sentidos, sentimentos, emoções e possibilidades de interações. É na prática da brincadeira em grupo ou na solidão imaginativa que a criança constrói memória afetiva e, em meio às idiossincrasias das circunstâncias do cotidiano, deixa-se fluir em bem-querer. Isso requer sinais de comunicação que lhes sejam familiares e que falem a linguagem do brincar, da fantasia e da curiosidade.


O espírito da infância pode ser incorporado aos logradouros com alguns “isto é”, com certos “ou seja” e com realces “entre parênteses” de tudo o que instigue a exploração da cidade, na perspectiva do vivenciar suas potencialidades artísticas, arquitetônicas, de natureza, vida econômica e social. Lugares com mais respiro transformam-se em paisagens e cenários que permitem à infância compor-se e recompor-se nas descobertas dos segredos do viver urbano.


Aprender a falar diretamente com as crianças é uma boa prática das cidades que querem ser um lugar onde se pode viver bem e que querem ter voz no diálogo global. A falta de escala infantil imposta pela racionalidade espacial urbana é inibidora de visualidades e experimentações, revelações de detalhes silenciosos, cantos e encantos da cartografia humana. Os anos de criancice requerem estrutura de reconhecimento cultural e sistema de coesão entre espaços e sentidos para a consolidação de uma cidade realmente sustentável.


O leque de afazeres nesse sentido tem as cores, as formas e os conteúdos que puderem ser alcançados pela percepção dos empreendedores públicos e privados. Criar condições para que as crianças circulem além do chão em seus percursos urbanos pode ir de simples intervenções, como pegadas de bicho indicando faixas de pedestres, até construções mais complexas, voltadas à formação integral de pessoas que se importem com o lugar em que vivem.


É triste constatar que a última obra pensada em Fortaleza como política efetiva de convívio e brincadeira está fazendo 80 anos, que é a hoje degradada Cidade da Criança, no centro histórico. Lago com pedalinho, ilha, ponte, castelete de pedra, mini zoo e estátua de menina e menino fixavam uma noção de territorialidade infantil, unindo físico e simbólico. Isso mesmo, foi na década de 1930 que os antigos parques da Liberdade e da Independência ganharam conceituação de lugar com oportunidade de partilha de competências corporais e imaginativas. Faz tempo, e o tempo ensina que aprender sobre a cidade é aprender a construí-la enquanto a usamos.


Foto do Flávio Paiva

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