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Uma história sem heróis ou mocinhos

2018-05-20 00:00:00

 
Acivilização não pode transigir com a ideia de um Estado assassino de seus prisioneiros. Mesmo que esse Estado seja autoritário e os casos tenham ocorrido em tempos marcados por conflitos ideológicos, na chamada Guerra Fria. Por isso, é importante que os historiadores continuem se debruçando sobre os documentos como o recentemente divulgado pelo pesquisador Matias Spektor, que expôs um relato da CIA acerca do caso brasileiro quando Ernesto Geisel presidia o País.

Quem conhece a História do Brasil sabe que a repressão aos movimentos de esquerda, que se organizaram, treinaram e se armaram para implantar no País aquilo que as cartilhas denominavam de “ditadura do proletariado”, era uma política de Estado. Parece óbvio que as ordens de esfolar e matar emanavam dos comandantes da ditadura brasileira.

Muitos anos depois da Lei da Anistia, desde FHC, passando por Lula e Dilma, o Estado brasileiro reconheceu os crimes de Estado e estabeleceu indenizações para vítimas ou seus familiares. Foi uma medida reparadora se é que é possível reparar crimes dessa dimensão. Trata-se de algo inédito e único na História do Brasil.

Lamentavelmente, o País não soube reparar minimamente os terríveis crimes da ditadura de Getúlio Vargas, que durou entre 1937 a 1945. Não se fala desse assunto. Hoje, para muitos, Vargas é um herói nacional. Uma referência política e comportamental que perdura até nossos dias. Pois é.


De volta à mais recente ditadura brasileira, a exposição dos crimes dos presidentes militares chama a atenção para outro lado da História. Sabe-se que os crimes de Estado já são bem conhecidos pela historiografia. Praticamente tudo decifrado, no que pese muitos desaparecidos persistirem, configurando uma tarefa a ser cumprida.

O que permanece intocado são os crimes cometidos por organizações armadas para derrubar os militares e instalar outra forma de poder no Brasil, que estava bem longe da ideia do sistema que conhecemos como democracia parlamentar com liberdades individuais e livre expressão baseados em uma Constituição.

Uma contabilidade extraoficial totaliza cerca de 119 pessoas assassinadas por esses grupos. Muitos deles, civis. De gerente de banco a cidadãos assassinados quando seus carros eram levados para, digamos, prestar serviços à causa.

A Comissão da Verdade, instituição estatal montada para reparar e indenizar os crimes da ditadura, não viu esse lado da História. Pelo menos 19 pessoas foram assassinadas ainda antes do AI-5, o ato que escancarou a ditadura. Configurou-se assim uma escandalosa meia verdade.

O ideal de civilização e democracia é que todos os crimes de todos os lados sejam devidamente investigados e revelados. Nem que seja pelo trabalho dos historiadores.

Os crimes de um lado não podem ser tratados como brutais assassinatos sem que os do outro lado nem sequer sejam mencionados ou, o que é pior, vistos como aceitáveis consequências ou “efeitos colaterais da luta”. Na verdade, tanto um quanto os outros, são apenas crimes e, como tal, devem ser tratados. Não há heróis ou mocinhos nessa História.


DA GLÓRIA À RUÍNA


Por falar em História, vejam o impressionante momento pelo qual passa o PT, a mais importante sigla de esquerda já formada no País.

Lula, José Dirceu e Antônio Palocci condenados e presos. Trata-se do trio de homens, todos politicamente formados em São Paulo, que definiu as feições políticas do Brasil a partir de 2002, quando o Lula assinou a icônica “Carta ao povo brasileiro”.

O famoso documento, marcado pela ponderação e sem usar termos como “Fora FHC” ou “abaixo o neoliberalismo”, norteou a vitoriosa campanha eleitoral de Lula e, na prática, antecipou a guinada econômica para o centro que os petistas, no poder, concretizaram no primeiro mandato presidencial do partido.

Lula era o presidente que, muitas vezes, se comportava como quem não precisava ser responsabilizado nem pelo que fazia e muito menos pelo que dizia. Dirceu, o articulador político forjado no movimento revolucionário de esquerda. Palocci o pragmático médico que virou político e se fez o termômetro moderado que exalava a confiança que alimentava a dinâmica do mercado econômico.

Junte-se à prisão dos três mais importantes homens da História petista, a condenação de três tesoureiros do partido. Não há como negar a ruína da sigla que a tantos encantou. A resultante é tão estarrecedora que produz cegueira na militância e aficionados.

Na verdade, o conjunto de fatos é tão eloquente que não há como um militante fazer uma defesa racional da sigla e deus líderes. Resta atacar quem não estiver entre eles. 

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