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A volta dos que não foram

2017-10-08 00:00:00
A verdadeira maneira de se enganar é julgar-se mais
sabido que outros
François de La Rochefoucauld

 

Que reviravolta! Entre o domingo, dia em que o jornal O POVO publicou o fato com exclusividade, aqui neste espaço, e a sexta-feira, o presidente Beto Studart navegou entre a definitiva decisão de deixar o comando da Fiec e o definitivo (?) recuo.

Em seis dias, tudo mudou para voltar ao que era antes. As circunstâncias pareciam (e eram) inusitadas. Studart não tratava o seu movimento como renúncia, mas sim como uma modernização dos estatutos da velha entidade fundada em 12 de maio de 1950. Em 67 anos de existência, a Fiec jamais havia passado por tal situação.

A mudança do estatuto caminhava na seguinte linha: declarava extinto o mandato da atual diretoria, declarava que o mandato passaria a ter três anos de duração (em vez dos cinco previstos) e, por fim, convocava a eleição para eleger o novo presidente da Casa da Indústria.

Tudo feito e desenhado de acordo com os planos do atual presidente. A ideia de BS era deixar a Casa e garantir que o próximo presidente fosse alguém de sua mais absoluta confiança. Seu nome: Ricardo Cavalcante, que, diga-se, é muito querido por seus pares.

BS alegou questões de cunho pessoal para deixar a entidade. Uma intensa e urgente necessidade de curtir a vida. É óbvio que ninguém acreditou. Afinal, é conhecida sua desenvoltura em articulações políticas. Até um partido político, o PSC, é apontado como, digamos, de sua propriedade.

Para diversos observadores, os mais e os menos atentos, é notório que articulações desse naipe possuem pernas e fôlego curtos. O movimento causou rebuliços no prédio da Barão de Studart, avenida que homenageia Guilherme Chambly Studart, um importante intelectual cearense (certamente, um antepassado do presidente).
Caso Beto tivesse bebido nas águas do Barão, um historiador de mão cheia, talvez não tivesse se metido nessa empreitada à beira do abismo.


A ANATOMIA DO RECUO


Duas manifestações públicas foram fatais para as pretensões do presidente da Fiec. A primeira partiu do vice da entidade, Alexandre Pereira, que, após se certificar que a intenção de mudar os estatutos era concreta, tratou a coisa como muitos avaliavam de fato ser: “Um golpe sorrateiro de um projeto personalista”.

A segunda: o ex-governador Cid Gomes entrou na área e criou um grupo no aplicativo WhatsApp. Batismo do grupo: #Contra o golpe na Fiec. Um pouco antes, Cid já havia enviado a Alexandre Pereira uma mensagem pelo mesmo aplicativo se posicionando duramente contra o projeto do presidente Beto.

Entre uma coisa e outra, é claro, reuniões em série. Ocorreram muitas tentativas de demover BS e seu grupo. Sem sucesso. O caldo entornava cada vez mais. As reações mais duras ocorreram após a diretoria da Fiec aprovar que a ideia de mudar o estatuto seria submetida ao Conselho de Representantes, uma espécie de colégio superior que reúne os 40 sindicatos que formam a instituição.

Certamente, com o recuo de BS, a consulta será retirada.

OS CÓDIGOS DA POLÍTICA
 

O que mais chamou a atenção foi a forma como o presidente da Fiec resolveu jogar o complexo xadrez da política. Os que conhecem esse ramo, entenderam logo que o empresário estava mais para o tabuleiro de damas do que para o jogo que fez a fama do mestre Garry Kasparov, enxadrista representante da antiga União Soviética.

Para quem tem a pretensão de entrar no jogo político, o pior dos mundos é criar a fama de quem quebra acordos e muda regras de um jogo que, ao fim das contas, não lhe pertence. Imediatamente, passa a ser visto como não confiável para protagonizar composições,
alianças e acordos. Foi exatamente o que aconteceu.
 

O CONTRATO SOCIAL


Para entender os acontecimentos de agora é preciso voltar a maio de 2014. Palácio da Abolição. Cid Gomes governador. Reunidos no gabinete de Cid, um grupo de empresários foi selar o acordo na presença da autoridade maior do Ceará. Por que isso? Sim, sob os auspícios do governador em Palácio, foi uma forma de fundar as garantias de que o acordo não seria quebrado. Pois é.

O “contrato” firmado dizia o seguinte: Beto Studart seria eleito por unanimidade presidente da Fiec. Alexandre Pereira seria seu vice. O mandato, que era de quatro anos com direito à reeleição para mais quatro, passaria a ser de cinco anos sem reeleição. Pereira seria o dono dos cinco anos seguintes.

A lista dos presentes: Cid, Roberto Cláudio, BS, Alexandre, Jorge Parente, Roberto Macêdo, Fernando Cirino, Ricardo Cavalcante e Hélio Perdigão. Estava assim concebido o “projeto” da Fiec unida por dez anos.

Finalizado o acerto, deu-se o aperto de mãos e a troca de abraços. Na sequência, um almoço de confraternização no Palácio. Afinal, ninguém é de ferro. Esse encontro foi frequentemente lembrado nos últimos dias.

A SAÍDA NÃO FOI DE TODO MÁ
 

Atenção senhor contribuinte que paga regiamente seus impostos. Por decisão das egrégias casas legislativas nacionais, o senhor vai pagar a conta das campanhas eleitorais. Vale a lembrança: um amontoado de bonzinhos incautos e outros nem tanto aplaudiu de pé o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais. Eis aí o resultado.

Mas, nem tudo é motivo para o choro desenfreado. Para bancar o fundo das campanhas, nossos sábios legisladores foram atrás de dinheiro de uma forma que não chocasse muito a plateia. Foi aí que alguém teve a brilhante (sem ironia) ideia de acabar com os lamentáveis programas dos partidos no rádio e na televisão.

Ora, esses programas, que vão ao ar em horário nobre, não são gratuitos como se diz por aí. São pagos por mim, você, nós, por meio de descontos no imposto de renda devido pelas empresas de rádio e TV. Agora, esse dinheiro irá direto para os partidos bancarem suas campanhas eleitorais. Sem dúvidas, um uso mais utilitário.

Mas por que não devemos continuar chorando? Ora, pelo menos acabou aquele horror chamado de programa partidário que adentra a programação da TV aberta sem que ninguém queira ver.

Partidos são instituições privadas. O ato de reunir-se em uma sigla não pode ser bancado com o dinheiro público. Trata-se do exercício de um direito cujo financiamento deve ser privado.

Fábio Campos

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