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Um píer e, agora, um heliponto no mar...

01:00 | 15/10/2017

Tenho a impressão que a disputa pela Cidade coletiva se dá entre os abestados e os que se arvoram da “razão”e do poder. Mais o poder...

Devo estar entre os abestados, pois não compreendo por que alguns movimentos urbanos são mais legais para uns do que pra outros.

À beira do mar de Fortaleza há desses casos. Vou ficar apenas ali, onde Município, Estado, União e Judiciário permitiram a construção de prédios de luxo quase dentro do Atlântico.

Recordo-me, quando fui editor de Cidades do O POVO, de matérias questionando a legalidade de um píer particular do faustoso edifício Ancoradouro 3. Condomínio que molha os pés na praia e tem como quintal a enseada do Mucuripe.

 

O imóvel e o cais molhe foram alvos de questionamentos do procurador federal Adonis Callou, nos anos 2000, mas o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Recife, ignorou a cartografia coletiva da praia. E entendeu ser legal a particularização de um pedaço do mar.


Pois agora, o condomínio Ancoradouro 3 decidiu que o píer tem de ser transformado em um heliponto. Sim, um aeródromo para pousar e subir helicóptero sobre o mar e a praia.


Justifica, claro: o trânsito em Fortaleza está impraticável. Há violência em todas as esquinas do quadrante rico e um medo de aguardar no sinal vermelho e aquele bando de pobre nos malabares... Melhor ir e vir pelo céu.


A edificação do píer entrou na berlinda porque atravessou uma área pública e virou um obstáculo particular numa faixa de praia. Além do acesso restrito aos moradores do condomínio, mesmo no mar que não pode ser loteado.


Recorri à Lei de Acesso à Informação já que é difícil, apesar de público, conseguir dados na Anac/Infraero. O primeiro choque foi ler a justificativa para a obra do aeródromo particular numa porção do mar do Mucuripe.


Está na ata de uma reunião do condomínio, dentro do processo 00065.515729/2017-88/Anac, datada de 24 de janeiro deste ano. Diz que “a ideia de construção do heliponto, num terreno de 400m², é uma tentativa de salvar esta área do píer”.


Fiquei matutando o que significaria “salvar” o píer, que foi construído em terreno de marinha. Pois bem, o pequeno aeroporto pretendido é de 19,5m por 19,5m para operações diurnas e noturnas de helicópteros.


A Anac deu entender que a liberação para construção não observava pendências judiciais, como questões se o aeródromo particular será erguido em terreno do patrimônio da União. Pois deveria levar em consideração, sim.


“A autorização prévia (caso seja) expedida pela Anac não supre a deliberação de outras entidades da administração pública sobre a observância dos requisitos de licenciamento ambiental, de uso do solo e de zoneamento urbano. Ou da observância dos condicionantes impostos pelo órgão responsável pelo espaço aéreo”. Diz o documento


Fortaleza tem 21 aeródromos particulares. Suponho que todos em áreas privadas rigorosamente dentro da legislação ambiental e da Lei de Uso e Ocupação do Solo. Também imagino que não usurpam a Cidade coletiva...

 

 

DEMITRI TÚLIO é repórter especial e cronista do O POVO demitri@opovo.com.br

 

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