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Mar impróprio para se banhar

00:00 | 10/09/2017

A Cidade onde rebentamos nem sempre é o corpo escolhido para viver, ser feliz e morrer. E sabe-se lá quais encruzilhadas deram pra gente ser parido aqui ou não sei onde?


Tenho um amigo nascido em Fortaleza por acaso. Não é fresco nem vive entojado daqui, mas não houve afeto que desse jeito no desamor e na indiferença por esse pedaço da Terra.


E para aumentar a vontade de não pertencer aqui, nunca teve paciência com as ruas descuidadas. Nunca viu graça em ter quase nenhuma sombra por onde vai e nunca suportou o mar impróprio para o banho...


Foi embora e sequer escreve carta, manda e-mail ou dá notícia. Sei que foi para São Paulo, despois se desterrou para os Estados Unidos. A mãe dele, vez em quando, manda-me dizer coisa pouca. Estaria feliz longe de Fortaleza. Ela ressente e se angustia.


Um outro “pareceiro”, lá pelos anos 90, quando ser “baitola” era lugar de violência na esquina da Major Facundo com Guilherme Rocha ou Liberato Barroso, também se mandou para São Paulo.


Queria sair, sem tempestades, do armário porque Fortaleza não tolerava que se beijasse na boca e percorresse homens. Não suportava ter de ser clandestino no que apenas afeto.


Foi e voltou, partiu e regressou e ainda está de partida. Agora, mais, para Portugal. Veio, durante um tempo, por causa da mãe viva. Depois, porque virou professor universitário numa pública e se obrigou aos vencimentos...


Mamãe cansou de se perguntar o que teria sido se tivesse ido para Berlim ser freira. Saiu da Aratuba, pobre e matuta, e foi para Recife. Ser noviça num convento de freiras alemãs. Acabou devolvida a Fortaleza. Porque ria demais. Era alegre além da conta para ser uma religiosa.


Quis ter ido pelo mundo. Imaginava-se naqueles casacos no inverno impiedoso, aquelas botas até o joelho. Talvez desejasse não ter feito aqui seis filhos e um descasamento...


Dona Emília Tumonis Alcântara, avó de um amigo, o Eduardo, completou 104 anos em mais um setembro de vida. Lá sabia que viveria tanto! Nem que nasceria na Lituânia e Fortaleza era o destino.


Tangida pela Segunda Guerra, veio para o Brasil com os pais e quatro irmãos. Desceu de um vapor, no Rio de Janeiro, com dez anos de nascida. E, entre idas e cidades, em Curitiba, conheceu o cearense Jonas nos campos de colher café.


Foi furtada para Fortaleza, se tornou daqui e pariu outras histórias. Eduardo, o neto, quer lhe levar ao mar de Iracema. Teria, talvez, descido aqui pela Ponte velha dos Ingleses... Talvez!


Dona Emília me disse, numa mesa entardecida de café e fartura, que era o destino... Não havia de ser a Lituânia.



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