Recall de um único automóvel?
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Recall de um único automóvel?

2018-11-01 01:30:00
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Como os jornais publicam recalls quase diariamente, ninguém prestou atenção no último anunciado pela Volkswagen, mês passado, chamando o dono de um novo Tiguan para substituição dos amortecedores traseiros.

 

A Volkswagen se dirige "ao proprietário de um veiculo Tiguan?.". Se você não entendeu, nem eu: anúncio de meia página na Folha de São Paulo para chamar uma única pessoa? Como se explica este surrealismo?

 

O novo Tiguan All Space é recente lançamento mundial da Volkswagen e importado do México para o Brasil. Foi detectada uma irregularidade na solda dos amortecedores traseiros num lote do SUV. E apenas uma das unidades exportadas para o Brasil nele incluída. Os mexicanos correram para avisar os colegas brasileiros. Tarde demais: o Tiguan já tinha sido vendido.

História 1

 

Foi fácil, claro, descobrir o dono que, avisado, o levou à concessionária para substituir os amortecedores. Custo da operação? Inferior a R$ 2 mil, entre o custo da ligação (?), peças e mão de obra. Porém, a maior dificuldade enfrentada pela Volkswagen foi oficializar o recall, pois o DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça) exige que a legislação seja respeitada não importa quantos os veículos envolvidos. Mas, se era apenas uma unidade, não bastaria enviar um WhatsApp ou ligar para seu dono?

 

Negativo. A fábrica teve que estampar anúncio de meia página para cumprir a exigência legal, como se fossem centenas ou milhares de unidades envolvidas.

O DPDC é o órgão governamental que controla e fiscaliza os recalls efetuados no Brasil. Ele tem que ser avisado de todos os detalhes que envolvem o reparo gratuito: a comunicação aos proprietários, identificação das unidades, componente a ser substituído e riscos envolvidos, pois o recall só é obrigatório se afetar a segurança. Pode exigir a realização do recall e até multar a empresa diante de um comprovado caso de omissão.

 

História 2

 

Se a fábrica realiza o recall, é porque há riscos em rodar com o automóvel. O motor pode apagar, vazar fluido do freio, o cinto não proteger no caso de um acidente, risco de incêndio, etc. Entretanto, não chega a 40% o número de donos de carros envolvidos no recall que os levam para reparo na concessionária. (Em 2018, não chegaram a 20%!). Foram imaginadas então algumas formas de aumentar este índice e, há cerca de dez anos, o Contran (Conselho Nacional de Trânsito) pensou em proibir a venda dos carros não submetidos ao recall. Desistiu da ideia por impedimentos legais. Decidiu então fazer constar o problema no documento do carro, pela portaria conjunta 69/2010 do Ministério da Justiça (DPDC) e Denatran. Assim, o comprador seria pelo menos informado da bomba-relógio que poderia explodir em suas mãos. E estimulado a levá-lo para o reparo.

 

Estão portanto envolvidos neste procedimento o DPDC, os fabricantes, o Denatran e os Detrans. Oito anos depois, nada de constar o recall em aberto no documento do automóvel. O Denatran, consultado, alega dificuldades burocráticas mas garante que será viabilizado "no segundo semestre de 2019". Argumenta que a demora no processo de registro do cumprimento do recall no histórico do carro poderia criar constrangimentos ao proprietário que decidir vendê-lo.

 

Moral da História

 

O DPDC e o Denatran publicaram há oito anos uma portaria para fazer constar no documento de um carro que ele não foi submetido ao recall. O órgão de trânsito diz que a medida só será implementada dentro de 12 meses, por problemas burocráticos. Uma inacreditável passividade do DPDC, entidade encarregada de proteger e defender o cidadão/consumidor.

 

Este mesmo DPDC é suficientemente hipócrita para obrigar uma fábrica a cumprir a legislação e publicar anúncio de recall dirigido a um único automóvel. Mas não se preocupa com centenas de milhares rodando com algum grave problema de segurança.

 

É assim que o governo brasileiro se dedica à segurança veicular e integridade de seus cidadãos.

Boris Feldman

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