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O resgate de Mister Hull

2018-01-29 01:30:00

 

Por José Evangelista

 

O engenheiro inglês Francis Reginald Hull (Wimbledon, 1872 – Fortaleza, 1951), enquanto trabalhava na rede ferroviária cearense, dedicou-se ao estudo das nossas frequentes secas, em busca de alguma explicação para o fenômeno. Examinando as curvas históricas, ficou convencido que havia uma relação entre as estiagens nordestinas e a atividade do Sol, caracterizada pelo surgimento de grande número de manchas solares. Os gráficos temporais indicam que essa atividade mais intensa acontece com períodos de 11 anos, aproximadamente. Mr. Hull encontrou uma relação entre os máximos e mínimos nas curvas de precipitação de chuvas e da atividade solar. Segundo ele, uma atividade solar intensa anunciava uma maior probabilidade de seca no nordeste.


É sabido que nem toda correlação observada entre eventos distintos implica em uma conexão de causa e efeito. Além disso, muitos especialistas argumentam que a radiação solar que atinge a Terra aumenta apenas 0,1 % em relação à normal durante os máximos de atividade. Por essas e outras razões, além de não se ter uma explicação física para uma discutível conexão, o assunto ficou esquecido durante muitos anos.


Retornou quando começaram os alertas sobre o aquecimento global causado pela atividade humana. É claro que fenômenos naturais têm enorme influência no clima do planeta, e a atividade solar, evidenciada pelo número de manchas e erupções na superfície do Sol é um desses fenômenos mais visíveis, sendo conhecida e monitorada desde os tempos de Galileu. Surgiu, então, a polêmica sobre quem é mais preponderante: se a natureza ou a ação humana que gera gases que causam o chamado “efeito estufa”.


Recentemente, porém, surgiram novos modelos sobre a relação entre a atividade do Sol e o clima terrestre. Segundo o físico dinamarquês Henrik Svensmark, a influência da atividade solar no clima terrestre se dá indiretamente, modificando a incidência dos raios cósmicos sobre a atmosfera e interferindo na formação das nuvens. Raios cósmicos são partículas de alta energia originadas de eventos astronômicos catastróficos ocorrendo em locais distantes de nossa galáxia. Essas partículas estão constantemente incidindo sobre a Terra e muitas conseguem atravessar a atmosfera.


Segundo o dinamarquês, ao penetrar as camadas mais baixas da atmosfera terrestre, os raios cósmicos desencadeiam um processo de nucleação de gotículas de água e formam as nuvens. Svensmark e seus colegas conseguiram mostrar esse efeito em laboratório. No entanto, a incidência dos raios cósmicos na atmosfera pode depender da conformação do campo magnético do planeta e esse campo é grandemente influenciado pela atividade do Sol. O dinamarquês sugere que quando a atividade solar fica intensa os raios cósmicos são desviados, não penetram a atmosfera e não formam nuvens. Menor cobertura de nuvens significa maior incidência de luz solar sobre a superfície do planeta e, consequentemente, maiores temperaturas.

 

Pronto, a conexão causal que faltava à hipótese defendida por Mr. Hull pode estar expressa nessa teoria do físico dinamarquês. No entanto, nem todo mundo concorda com o modelo de Svensmark. Os maiores críticos são os meteorologistas que dizem que o atual aquecimento da Terra se deve, quase exclusivamente, à queima de combustíveis fósseis. Um modelo sugerindo que fatores naturais podem ser mais impactantes na modulação do clima terrestre é considerado heresia por esses especialistas.


Em breve poderemos saber quem tem razão. Parece que estamos saindo de uma época de intensa atividade solar e entrando em outra de calmaria da estrela. Se isso realmente acontecer e o dinamarquês e seus colegas estiverem corretos, o planeta, em vez de aquecer, entrará em um período de resfriamento, pois a quantidade de cobertura de nuvens aumentará e boa parte da radiação será refletida.


Mr. Hull, em seu jazido no Cemitério São João Batista, certamente tem tempo bastante para esperar o resultado desse impasse entre os cientistas do clima.

 

Gabrielle Zaranza

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