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Artigo. Homens e masculinidades
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Artigo. Homens e masculinidades

A sociedade muito se beneficiará, com novos modelos de convivência, se houver o resgate do humano e do sensível nos homens
Edição Impressa
Tipo Notícia

 

Zenilce Vieira Bruno
zenilcebruno@uol.com.br
Psicóloga, sexóloga e pedagoga


Parafraseando Simone de Beauvoir, diria que “não se nasce homem, torna-se homem”. A cultura vigia e controla essas masculinidades, e para integrarem-se aos modelos que são propostos, os homens, mais que as mulheres, têm pago um preço muito alto, construindo-se menos sob projeto próprio. Não é exatamente uma escolha. Eles se veem forçados a caminhar acompanhando o rumo da vida, e vão absorvendo modelos impostos, sem levar em conta que tipo de homem desejam ser. Assimilam referências da mídia e do grupo de outros homens, que em sua maioria são propostas tirânicas, que exigem um negar-se de si mesmos, para estar de acordo com o padrão de ser Homem com H maiúsculo: forte, vencedor, provedor, corajoso, desafetado de sentimentos. Fora desse modelo, qualquer outro pode levantar dúvidas. Um paradigma posto para todos, que deixa no ar uma questão: será preciso negar-se, matar ou morrer, para tornar-se um homem de verdade? Homens estão morrendo, enfrentam as guerras, a violência urbana, enchem presídios, agridem e matam para darem conta de ser os homens propostos pelos modelos.


Ser homem com H parece garantir que não coloquem em dúvida sua masculinidade. No fundo, muitos homens gostariam de ser diferentes do que são em suas condutas afetivas e sexuais, em seus afetos e emoções. Receiam, contudo manifestar sensibilidade, a partir da introjeção feita de que, um modo sensível de ser, parece inadequado ao masculino. “Falar de homem terno e carinhoso gera desconfiança quanto à sua masculinidade”, lembra Amparo Caridade. Instaura-se então uma necessidade urgente de proteger e salvar as identidades, e quando isso fica difícil, emerge a violência.


Para darem conta de ser homens assim, muitas vezes as pessoas têm de usar máscaras sob as quais se protegem de seus sentimentos, e com isso escondem o que há de mais precioso em si mesmos. Mas, por quanto tempo se pode usar máscaras duras, sem comprometer a saúde do próprio rosto? As masculinidades em construção protegem-se obsessivamente, de qualquer contágio do feminino, como um mal que deve ser erradicado na vida dos homens. Assim, para construírem-se como homens, apoiam-se na negação do feminino e na homofobia.


Na contraface disso tudo, saudamos uma potencialidade imensa nos homens, uma grande capacidade de amar, de serem ternos, amigos e partilhadores. Isso, em nada pode ameaçar suas masculinidades. Pelo contrário, isso faz deles espécimes raros, onde podem reunir-se força, coragem, beleza e expansividade do ser. A sociedade muito se beneficiará, com novos modelos de convivência, se houver o resgate do humano e do sensível nos homens. Nesse novo ethos, o outro poderá mostrar-se também afetivo, acolhedor e não ameaçador. O afeto, a delicadeza, tornar-se-ão paradigmas de convivência, para uma sociedade de relações sustentáveis.


Com certeza, teriam homens mais interessantes, sujeitos bonitos, sedutores e desejáveis, se eles pudessem ser machos afetuosos, como se fossem “animais ternos”. Isso seria possível se a sensibilidade não fosse excluída do discurso masculino, em honra do rigor de ser homem. Essa é, a meu ver, a mais lamentável castração masculina.

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