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Dois dedos de prosa com Cláudio Silva Filho
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Dois dedos de prosa com Cláudio Silva Filho

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Cláudio Silva Filho. Há quase sete anos, o assassinato do ambientalista José Maria de Tomé permanece à espera de um desfecho. Não fossem os constantes adiamentos do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) para julgar um recurso da defesa dos réus, o júri popular poderia ter acontecido. Em agosto de 2015, a Justiça de Limoeiro do Norte (onde Zé Maria foi morto com mais de 20 tiros) mandou que fossem julgados o fruticultor João Teixeira Júnior, José Aldair Gomes e Francisco Marcos Lima. Na última quarta-feira, o desembargador Francisco Martônio pediu o 3º adiamento. Agora, só na sessão de 15/2. Confira entrevista com Cláudio Silva, 31, advogado da Renap e responsável pelo caso.
 

“Nada justifica a demora. O júri é que deve decidir”


O POVO - A 2ª Câmara Criminal do TJCE adiou pela terceira vez, em menos de dois mês, a apreciação de um recurso para decidir se três réus serão julgados pelo assassinato de Zé Maria de Tomé. O que falta para os desembargadores decidirem, já que o crime ocorreu em 2010 e a Justiça em Limoeiro do Norte havia decidido pelo júri popular?
Cláudio Silva - Nada justifica a demora. Já se passaram quase sete anos desde o assassinato e os familiares, amigos e movimentos populares clamam pela celeridade do julgamento. Já há parecer da Procuradoria de Justiça pela manutenção da decisão. Trata-se de um julgamento meramente técnico, pois o direito brasileiro afirma que cabe ao júri popular decidir o mérito de homicídios dolosos. A impunidade é o principal motivo para descrença da Justiça.

OP - O que a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap/Ceará) vai fazer agora?
Cláudio Silva - Pedimos reuniões com diversos órgãos que acompanham o caso, como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (vinculado ao Ministério da Justiça e Cidadania do Governo Federal, que atua no caso desde o início) e com o próprio Ministério Público do Ceará. Se for necessário, recorreremos aos sistemas internacionais de direitos humanos.

OP - Zé Maria de Tomé era presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais Sem Terra da da Chapada do Apodi quando foi assassinado. Denunciou o uso ilegal de agrotóxico e a grilagem de terras públicas. O que mudou?
Cláudio Silva -José Maria expôs para o mundo o drama vivido por trabalhadores rurais e as populações de comunidades próximas às fazendas do agronegócio. As pessoas - tanto trabalhadores como consumidores - passaram a conhecer os impactos do uso de agrotóxicos, da grilagem de terras públicas, da apropriação da água por empresários e da violência que ainda perdura no campo. Essa conscientização é o primeiro passo para mudar a situação. Temos notícias que fazendas estão fechando, pela falta d´água na região e a suposta existência de “superpragas”. Isso mostra a falência do agronegócio: exploram água, terras, meio ambiente e os trabalhadores e, após esgotarem os recursos, migram. Também é crescente relatos de adoecimentos, cânceres. Atualmente tramita um Projeto de Lei na Assembleia Legislativa, do deputado Renato Roseno, que propõe o fim da pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará.

OP - Quantos casos, semelhantes ao de Zé Maria de Tomé, a Renap/Ceará está acompanhado na Justiça?
Cláudio Silva - O caso foi classificado pelo Governo do Estado como o “nº 1” do Ceará, apesar de ainda permanecer impune. Trata-se de um dos casos mais graves de assassinatos de lideranças do Brasil, também acompanhado pelo Movimento 21 de Abril, MST e Cáritas Diocesana.

OP - Quantas e quem são as lideranças populares no Ceará que estão ameaçadas de morte ou sofrem alguma restrição?
Cláudio Silva - Não há dados precisos, mas o número é crescente. Em 2016, ao menos 50 pessoas eram acompanhadas pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Ceará. Mas o Estado brasileiro ainda não possui meios eficazes para proteger pessoas ameaçadas. Os principais motivos são os chamados problemas estruturais da sociedade, como concentração de terra, exploração de trabalhadores, graves danos ambientais, violência contra mulheres, racismo, homofobia. As pessoas que se dispõem a atuar para superar essas questões são expostas a situações de vulnerabilidade e ameaças. Por vezes pagem com a vida.

OP -Há alguém no Programa de Proteção à Testemunha?
Cláudio Silva - Não. Mas, lamentavelmente, outros três réus foram mortos durante o curso do processo. Dois em operações policiais (deveriam ter sido presos) e um terceiro se suicidou.

OP - A família do ambientalista saiu de Limoeiro?
Cláudio Silva - Ainda mora no distrito de Tomé. A esposa e três filhos. Vivemde um mercadinho.
 

Por Demitri Túlio
Repórter especial

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