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Descontrole e ofensa

2017-07-22 17:00:00

A sentença do juiz Sérgio Moro contra o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva é algo que causa estupor em meios jurídicos não envenenados pelo partidarismo. Isso pode ser visto na nota lançada pela Frente Brasil Juristas pela Democracia, que denuncia a “inexistência de provas minimamente razoáveis” para condenar Lula, deixando claro que a sentença de Moro “ofende a Constituição” (http://bit.do/dCaYV). Para completar sua ação, o juiz bloqueou as contas bancárias, de Lula deixando-o sem meios de subsistência. Além do mais, insultou o ex-presidente, comparando-o a Eduardo Cunha. Comparação que não deveria ser feita segundo escreveu o respeitado jornalista Jânio de Freitas no artigo publicado na Folha de S.Paulo, na última quinta-feira (20/7), tendo como título Insucesso na busca de prova leva Moro ao descontrole das argumentações: “A igualdade das condutas de Cunha e Lula não existe. Moro apela ao que não procede (...) Infundada, a igualdade de Eduardo Cunha e Lula passou de argumento a insulto. A rigor, assim era desde o início. E juiz que insulta uma das partes infringe a imparcialidade. Mostra-se parte também” (http://bit.do/dB4Gk).


PT X PSDB

A crítica do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, ao fato de PT e PSDB não terem aproveitado seus períodos de prestígio para selarem colaboração na área institucional, a fim de dotar a democracia brasileira de uma cultura verdadeiramente republicana, tem encontrado eco. De fato, a falta de uma ação conjunta dos dois partidos mais modernos do Brasil contra a cultura casuística e autoritária, que havia sido reforçada pela ditadura de 1964 e agora retomada, foi lamentável. Poderiam ter viabilizado, por exemplo, uma reforma política respeitável, que reduzisse a influência das oligarquias políticas e econômicas. Isso é diferente de uma coalizão para governar o País. Esta não poderia ser feita sem o sacrifício da identidade de um ou de outro, pois o PT defende - como programa mínimo - um modelo econômico inclusivo, sociodesenvolvimentista e nacional. Já o PSDB advoga um modelo econômico excludente, neoliberal, moldado aos interesses do mercado financeiro mundial.

 

ÁGUA E AZEITE

Os dois partidos representam, grosso modo, os dois modelos de desenvolvimento em disputa, no mundo: 1) a globalização excludente, conduzida pelos interesses dos mercados financeiros; 2) a globalização inclusiva, articulada pela cooperação entre nações interessadas em preservar o poder decisório sobre seu próprio destino. Se o PT aceitasse o neoliberalismo – argumentam alguns analistas - se desfiguraria e passaria a ser um “partido do sistema dominante”, renunciando a lutar por outro caminho de desenvolvimento, que não a dos financistas, como faria o PSDB e toda socialdemocracia mundial. Tanto que os programas de governo aplicados pelos socialdemocratas praticamente não se distinguem do programa dos liberais – argumentam os partidários dessa visão.

DISTINÇÃO

A distinção doutrinária entre os modernos partidos socialdemocratas e os partidos socialistas democráticos – como o PT – não se resume à denominação. Ambos defendem, no campo institucional, o mesmo compromisso com a democracia política (seja a representativa, participativa ou direta) e com seus mecanismos básicos: voto universal e secreto, liberdade de expressão, de organização, de imprensa, pluripartidarismo, alternância de poder e direito de ir e vir. Até a Primeira Guerra Mundial, a socialdemocracia tinha como referência o marxismo. Na Rússia, o Partido Socialdemocrata, depois da tomada do poder em 1917, mudou o nome para Partido Comunista e passou a ser uma organização de quadros profissionais (militantes de vanguarda), de acordo com o modelo idealizado por Lênin e extremado por Stalin, que terminou por alijar tanto a democracia interna partidária como a institucional, dando origem a um “aleijão” histórico: uma sociedade de partido único e um Estado despótico e totalitário.

 

FIDELIDADE

Os partidos socialdemocratas (que tiveram razão ao denunciar, como deformação socialista, o leninismo/estalinismo) terminaram “jogando fora o bebê, junto com a água da bacia”, ao renunciarem ao marxismo e ao socialismo e aceitarem apenas o papel de “gerentes do capitalismo”. Ao contrário deles, as correntes herdeiras da proposta socialista originária se agruparam nos partidos socialistas democráticos – ao exemplo do PT – e sempre fizeram crítica ao “socialismo” burocrático e autoritário, leninista/estalinista. Assim, mantiveram o compromisso do socialismo científico originário para com a democracia institucional, mas, sem abrir mão do objetivo histórico final de alcançar a sociedade sem classes e sem Estado. Isto é, aquela na qual se concretizaria o reino da plena emancipação humana: “De cada um, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”. Mas, têm bem claro que não devem romper, individualmente, com o capitalismo, enquanto este tiver o controle hegemônico do planeta, pois terminariam sufocados, ou teriam de apelar para um regime de força para resistir. Nesse ínterim, seu compromisso é conduzir a luta pelo aprofundamento da democracia e contra as desigualdades sociais.

Adriano Nogueira

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