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Recall e legitimidade

2017-06-24 17:00:00

 

O tipo de crise vivida pelo Brasil poderia não se repetir, se o Congresso Nacional validasse a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, na última quarta-feira, 21, que propõe a revogação (recall) do mandato do presidente da República pelos eleitores. Para isso seria exigido que 10% dos votantes na última eleição presidencial (dos quais 5% em 14 dos 27 estados) requeressem o plebiscito revogatório de mandato (recall), através de projeto de iniciativa popular, acompanhado das assinaturas e do número dos títulos eleitorais correspondentes.


FALTA MAIS


Isso seria a introdução da democracia participativa, no Brasil (parágrafo Único do Art. 1º da Constituição Federal: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”). O ideal seria aplicar o recall a todos os mandatos eletivos: presidente da República, governadores e prefeitos, senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores. A falta de um mecanismo desse tipo impede o controle social dos representantes políticos pelos representados (eleitores) e esvazia a democracia representativa, provocando abstenção eleitoral.

 


REFÉM


Mesmo em um país politizado como a França, cujo sistema de governo é semipresidencialista, isso é notório. Mais de 1/4 dos eleitores (25,44%) deixaram de comparecer às urnas, no segundo turno presidencial que elegeu Emmanuel Macron. A abstenção não foi maior porque houve receio de eventual vitória da extrema-direita (Marine Le Pen). Quando esse perigo foi afastado, mais da metade do eleitorado - quase 60% - se abstiveram no segundo turno das eleições legislativas. Os eleitores estão percebendo que, depois de eleger o representante, este vira dono do mandato e faz o que bem quer com ele. Na verdade, faz o que o poder econômico determina. Pois, a democracia representativa tornou-se refém dos bancos e dos rentistas, ou seja: o poder real não passa pela urna. A salvação da democracia seria dar poder ao eleitor para intervir na gestão pública e controlar o mandato de seu representante, cassando-o, se preciso.


CARTADA


Nas alegações finais do processo de Lula, na justiça de Curitiba, a defesa do ex-presidente provou que o tríplex nem é de Lula, nem da OAS, mas da Caixa Econômica Federal. No Estado Democrático de Direito, o ônus da prova cabe à acusação. Aqui, no Brasil, entretanto, desde a AP470, o acusado é que tem de provar sua inocência, contrariando o que diz a Constituição – a queixa é de boa parte do mundo jurídico. No caso de Lula, sua defesa reduziu a pó as denúncias sobre o tríplex e outras: provando que o imóvel tinha sido oferecido à Caixa Econômica, pela OAS, em 2010, como garantia de um empréstimo, e que não houve esquema de Lula na Petrobras, conforme explica o jornalista Paulo Moreira Leite, em entrevista ao blog Jornalistas Livres: http://bit.do/dxaS4.


AUDITORIA


No artigo Inversão do ônus da prova é típica de estado de exceção, o ex-presidente da OAB/RJ, Wadih Damous diz: “No que se refere estritamente aos autos do processo, o MP não só se mostrou incapaz de produzir uma prova testemunhal sequer, uma vez que as 73 testemunhas ouvidas, inclusive as arroladas pela acusação, inocentaram o ex-presidente, como não anexou provas documentais que incriminassem Lula”. O mesmo se diga das acusações do MP relacionadas a supostos “esquemas” de propina de Lula na Petrobras. Leite frisou que “a conceituada empresa de auditoria KPMG atestou, em ofício enviado a Moro, que ao cabo de seu trabalho não encontrou nenhum indício que possa vincular Lula à prática de ilícitos na companhia”.


PONDERAÇÃO


Em meios jurídicos críticos à forma de atuação da Lava Jato, consolida-se o juízo de que o juiz Sérgio Moro perdeu a imagem de isenção que um magistrado deve ostentar. Isso se teria tornado patente a partir da publicação ilegal do “grampo” da conversa entre Lula e Dilma e a condução coercitiva do ex-presidente. Essa impressão robusteceu-se com a transformação da audiência ocorrida, em maio, em Curitiba, num suposto “duelo”, no qual Moro seria o oponente de Lula. Imagem reforçada quando Moro assumiu a condição de líder de uma das partes ao fazer apelo público a seus apoiadores, antilulistas, para não irem a Curitiba apoiá-lo na audiência.

 

A ponderação dos críticos é a de que o juiz curitibano há muito deveria ter resignado da condução do processo, por conta dessa imagem (justa ou injusta) de parcialidade. Ou, então, o CNJ tê-lo afastado, em nome da preservação da imagem de isenção do julgamento. Na falta disso - e se Lula for condenado sem provas objetivas, e apenas por “convicções” dos acusadores -, isso confirmaria o caráter político do julgamento nas cabeças de importante parte da sociedade brasileira, que vê nele a única opção para fazer o País voltar a crescer e reduzir o desemprego (tanto que seu nome é o primeiro nas pesquisas eleitorais?) Quem seguraria o Brasil depois disso?

 

Valdemar Menezes

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