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Sangue Veloso
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Sangue Veloso


Amar Caetano Veloso foi um dom que recebi de herança. Sua voz era onipresente na minha casa, e talvez eu já soubesse cantarolar suas melodias antes mesmo de falar. Meu primeiro repertório de palavras veio, também, das músicas dele de que eu mais gostava. Sendo assim, não posso contar do impacto de ouvir Caetano pela primeira vez. Caetano para mim é um sempre.


Quando algum programa de televisão anunciava sua presença, uma performance de palco ou um clipe novo, eu me lembro de correr para perto e de suspender todas as atividades da casa. Naquela época, era a televisão que organizava a agenda diária, e eu não teria uma segunda chance de ver aquela aparição baiana de cabelos cacheados.


Mais tarde, aos nove anos, comecei a tocar violão. Ganhei um Tonante, com cordas de aço e cavalete alto, uma tortura para as pontas dos dedos de uma menina. A vontade de tocar era tão grande que eu achei normal aquela sangria toda. A pele feriu, cicatrizou, engrossou e tornou-se mais forte – como acontece em quase tudo na vida.


As bancas de jornais vendiam revistinhas com letras e cifras de músicas, e eu comprei uma edição especial só com Caetano Veloso. Toquei e cantei a revista inteira, com uma devoção absurda, às escondidas. Trinta anos depois, o enredo da vida me fez ter uma aula de violão com Moreno Veloso, que tentou, pacientemente e em vão, me ensinar a tocar Leãozinho tão bem quanto ele.

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De tudo o que vivi relacionado ao Caetano, dois momentos ligaram-me a ele de forma absolutamente definitiva. O primeiro foi em 2003. Poucas horas antes do nascimento da minha primeira filha, Beatriz, o médico perguntou se eu gostava de Roberto Carlos, e eu respondi que sim, entre uma contração e outra. Ele ficou satisfeito, pois o disco que ele escolhera para o parto era todo de músicas dele. No minuto exato em que Beatriz veio ao mundo, tocava Força Estranha, composição de Caetano Veloso, na voz de Roberto Carlos.


O segundo foi em 2015. Elaborei uma seleção de músicas para o nascimento da minha segunda filha, Camila. Dessa vez, o parto foi em casa, e eu deixei tocar a seleção de forma aleatória, enquanto vivenciava a explosão de sentimentos que é parir naturalmente. Quase o tempo todo era a linda voz de Maria Bethânia quem cantava para nós. Mas, no minuto exato do nascimento da Camila, a música era Baby, também do Caetano. Por coincidência. Por puro acaso.


Se todos os fãs do Caetano escrevessem sobre como as músicas dele foram importantes para suas vidas, teríamos uma enciclopédia. Sou só mais uma fã, que admira e agradece a esse artista pela entrega de uma vida inteira à arte.


Essa crônica é um presente de aniversário pelos setenta e cinco anos desse baiano genial. Já garanti a herança das minhas filhas: nasceram ao som de Caetano Veloso. A mais nova nem sabe falar ainda, mas já cantarola o Leãozinho perfeitamente. É como se ele fosse da família. Como se corresse sangue Veloso nas veias das minhas meninas. Um parentesco legitimado pela força estranha da canção.



Foto do Socorro Acioli

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