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Mulheres sob o sol
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Mulheres sob o sol


Cada escritor escolhe um tipo de óculos para enxergar a vida. A partir disso, escrever torna-se a inclemente tentativa de reconstruir, destruir, embelezar ou apenas observar com delicadeza o desfile de agruras e alegrias que formam o material da experiência de cada um, sua forma particular e intransferível de existir.


Juliana Diniz, autora do livro O Instante-quase (editora Sette Letras), toma uma decisão desde o início. A opção de Juliana, os óculos que sua escritura utiliza, é olhar o coração de mulheres de papel. Sem ilusão nem amargura. Seus contos tratam da vida doméstica, do que poderia ter sido e dos segredos da alma. E muito mais que isso. Juliana apresenta uma lista de mulheres que quase chegaram a algum ponto, mas que foram interrompidas ou decidiram parar no meio do caminho de um plano, um sonho, um projeto.


Não é necessário e tampouco útil tentar traduzir ou simplificar um texto literário verdadeiro como é esse livro. No máximo arriscamos um ou outro caminho de apreciação estética. O texto pertence a cada leitor. Os ecos que provocam e as luzes que acendem pertencem a quem lê. Tratando-se de matéria tão profunda, arrancada de dentro do peito dessas personagens, o reconhecimento e o estranhamento são experiências prováveis no percurso dessa leitura. Talvez experiências catárticas, uma vontade incontrolável de puxar uma cadeira, fazer um convite e conversar com elas sobre tudo o que aconteceu.

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Sob o sol de bronze, há a mulher da seca, cercada de água, asfixiada pelo ar úmido ao redor. A filha que busca os retalhos do passado da mãe morta. Ou a mulher que transforma a esperança em retalhos. Estão todas à procura de um sentido e da realização de um amor incompleto, como a autora anuncia na belíssima e bem escolhida epígrafe.


Há nesse livro uma mistura de experiências narrativas, de linguagens e pontos de vista. A sua leitura proporciona uma volta em torno do tema feminino sem cansar ou repetir-se. Temos a narrativa em terceira pessoa, a confissão, a carta, o quase roteiro e essa coragem de passear por várias formas de contar uma história é uma das maiores qualidades da autora.


Juliana Diniz ilumina a alma de suas personagens, constrói um narrador sóbrio que revela, respeitosamente, onde estão as ilusões perdidas dessas mulheres. O texto deixa lacunas, interroga, dialoga, espelha, acende. Sobretudo, revela uma faceta da condição humana que atende pelo nome de desilusão. Retomamos a mimese Aristotélica, que refaz a vida em forma de arte para que possamos sentir melhor, letra a letra.


Mas afinal, onde estamos quando sonhamos? E quando caímos dos sonhos?


O livro de Juliana é sobre cair, sobre quase conseguir, sobre tocar os sonhos com as pontas dos dedos. E levantar para continuar seguindo.


Foto do Socorro Acioli

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