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Fernando que virou santo
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Fernando que virou santo


A vida é breve, mas não para todos. Alguns perduram, como o rapaz português chamado Fernando. É instigante pensar que um homem morto em 1231 continua sendo festejado todos os anos. Em várias cidades, em vários países. Aos santos é dada a dádiva da imortalidade, da permanência na memória coletiva. Independentemente da religião, isso é um fato que impressiona.


Fernando virou o nosso Santo Antônio. As regras e práticas da Igreja Católica o fizeram assim. Sabemos dele usando veste marrom, segurando o Menino Jesus em um braço e um ramo de açucenas no outro. É assim que ele aparece nas imagens de gesso, de barro, nas medalhas, escapulários, novenas, bandeiras, estandartes.


No Brasil, a data comercial do Dia dos Namorados foi associada à véspera do dia de sua morte pela fama de casamenteiro – mais forte no Brasil do que em Portugal. A ideia foi do publicitário João Doria, pai do atual prefeito de São Paulo, em 1948, mas não somente por devoção ao santo. Junho é um mês fraco para o comércio e a data foi inventada para melhorar as vendas. No fim das contas, o santinho não tem nada a ver com isso.


Felizmente, não é só por essa data comemorativa que ele é lembrado em solo brasileiro. Segundo o IBGE, trinta e oito cidades no Brasil têm o nome de Santo Antônio e suas variações. Ele figura como padroeiro e protetor de várias delas, sempre com uma grande festa, sim, porque o povo precisa e merece.


Fernando nasceu em Lisboa, Portugal, e morreu em Pádua, na Itália. É lá que repousam os seus restos mortais. A igreja é monumental e organiza muito bem os passos da devoção para receber turistas e fieis. Há um padre à disposição para benzer as compras com um rápido gesto e um balbuciar incompreensível.


Porém o que impressiona é o altar das relíquias, onde estão expostos os objetos pessoais do santo e a sua língua, intacta. Dizem que o milagre deveu-se ao fato de que Fernando foi um orador impressionante, que reunia pessoas ao seu redor para ouvi-lo falar. Foi um dos Doutores da Igreja; recitava Cícero, Aristóteles, Sêneca; lecionou em universidades europeias e passou para a eternidade como um santo sábio.


De tudo isso, o que acho mais lindo são as manifestações coloridas da religiosidade popular. Em Barbalha, sertão do Ceará, a festa do Santo Antônio inclui o cortejo do Pau da Bandeira, por dezenas de homens em revezamento, com música, danças, comida e celebração pagã de toda ordem.


Em Lisboa, há o desfile da marcha na Avenida da Liberdade. Há também as festas na Alfama, Mouraria, Bairro Alto, Graça, Ajuda. O dia de Santo Antônio é também o anúncio da chegada do verão.


Há alguns anos fiz uma pesquisa sobre o santo para a escrita de um romance e parei nas graças da devoção no Nordeste: o coitado de cabeça para baixo, dentro de um vaso de água, enterrado no quintal, de castigo até que o marido ideal apareça.


Minha representação preferida talvez seja a mais estranha de todas. Não há nada mais bizarro que o santo sem cabeça de Caridade, de boca pra cima, esquecido no sol quente, de olhos arregalados. Mesmo assim, ele me trouxe conquistas incríveis e alegrias inimagináveis. Viva Santo Antônio, meu amigo querido. Sou uma devota muito agradecida e cada vez mais convicta do poder de seus milagres. Santo Antônio de Lisboa, do Brasil, de Caridade: olhai por nós.


Foto do Socorro Acioli

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