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As muitas faces da arquitetura
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

As muitas faces da arquitetura

 
A Napoleão Ferreira

Assisti a um filme na semana passada que me fez pensar sobre a minha profissão. Deixou-me invocado por ampliar as possibilidades desta antiga e multifacetada manifestação humana que é a arte de construir.

Na película, um casal, insatisfeito com a casa em que morava, decide contratar um arquiteto para projetar para os pombinhos (na verdade, um par de zé-doidinhos, ela uma maluquete e ele um financista sovina e atrapalhado) uma nova morada. O herdeiro de Palladio, egocêntrico, afetado, vaidoso e visionário, recebeu a encomenda como uma missão que consistia em oferecer aos pobres coitados um pouco da beleza que só ele poderia criar. De passagem, envolve-se com a mulher, mas isso é outra história. Ficam interrogações no ar: O que pode um arquiteto? Como deve se comportar um cliente? O que é o projeto, afinal?

Se alguém perguntar a qualquer um dos meus colegas o que é arquitetura, boa parte vai dizer que é uma expressão construída de arte e técnica, cuja produção é um direito dos arquitetos. É na matéria arquitetural que estes exprimem sua forma de compreender o mundo, seus preceitos tecnológicos, sua visão artística e seus ideais de conforto e praticidade. Nada de novo: a tríade vitruviana (firmitas, utilitas e venustas) continua valendo. “O cliente contrata um arquiteto e ainda quer dizer a ele como proceder?!”, rosna Frank Gehry, de cima do Guggenheim de Bilbao. Le Corbusier, antes, afirmava que a casa era uma “máquina de morar”, causando pânico aos seus fregueses. Há gente que contrata um arquiteto por admirar o seu trabalho e para ter um original seu, mesmo que passe a vida tentando se adaptar àquele espaço...

Entretanto, a arquitetura é também um produto, uma mercadoria, pronta para o consumo e o usufruto. A pretensa “tirania” dos arquitetos se esboroa quando estes têm pela frente alguém que sabe o que quer e como quer. Claro, pois o consumidor tem o direito de ter um lugar para chamar de seu e que espelhe seu modo de viver. De certa maneira, foi essa posição, associada à rejeição às formas puras do Modernismo, o que gerou o Pós-moderno. Lembro-me de um colega, com ódio, relatando a apresentação de um projeto seu: “Esta obra aqui vai ser premiada”; “Ok, pode estar bonita para você, mas não tem nada a ver comigo. E eu quero bem aqui uma balaustrada, para a casa parecer um castelo”; “Uma balaustrada?!”; “Sim, com aqueles balaústres que vendem lá perto do Mercado São Sebastião. Aliás, cara, que mal há numa balaustrada?”.

Monumento, exemplo, contra-exemplo, aula, vexame, a arquitetura pode ser muitas coisas. Resulta sempre de uma carência manifestada a exigir uma solução. Oscar Wilde falava que “se a natureza fosse confortável, o homem não teria inventado a arquitetura”, que é mais ou menos o que diz hoje o nosso Paulo Mendes da Rocha: “a natureza é um trambolho”. Sem querer entrar nesse denso cipoal, pergunto(-me): Como está hoje a relação entre o arquiteto e aquele que paga por seus serviços? Mario Botta, muito famoso nos anos de 1980 e hoje meio sumido, pregava: “Bons clientes propiciam boa arquitetura”. Talvez repouse no diálogo entre as partes a saída para o problema: “Quem sabe o que quer pode querer também o que não sabe” (Gilberto Gil), “mestre é aquele que, de repente, aprende” (Guimarães Rosa). Projetar é projetar-se. 

Foto do Romeu Duarte

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