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Loja Milano... A história de um sequestro

17:00 | 15/07/2017

Há um livro reportagem que desejo escrever. E agradeço quem passou por essa história não contada e queira iluminar caminhos e personagens. Atores direta ou indiretamente marcados pelo enredo.


A história de um sequestro ocorrido em 1980, em Fortaleza, e até hoje sem desfecho pra família. Trinta e sete anos depois, o casal Oscar Roque e Socorro Bezerra permanecem sem um ponto final sobre o paradeiro do filho, único, Ricardo.


Relembrei disso, e fui remexer algumas anotações sem corpo, porque seu Oscar faleceu na última segunda-feira. Era o dono da Loja Milano. Estabelecimento alinhado, inaugurado em 1965 e que fez nome vendendo, principalmente, paletós por encomenda. No Centro, vizinho à Farmácia Osvaldo Cruz.


A chic Milano teve, em seu cast, alfaiates de corte fino e mestres em dar nó em gravatas. Reinou na Rua quando o umbigo de Fortaleza era ali. Escritórios de advocacia, agências bancárias, grandes lojas, hotéis, cafés, o Fórum Clóvis Beviláqua...


Não me lembro se os ternos de vovô Afonso (só ia à Praça no passeio completo) eram da Milano. Talvez os de meu pai, sócio em uma banca de advogados calouros no edifício Lobras. Ficava por trás da loja de seu Oscar e dona Socorro.


A Milano teria sido a primeira a vender “capangas”. Uma bolsa de mão, hoje muito brega, para “homens machos”. Portava talão de cheque, pente Flamengo, documentos e, geralmente, um 38. Numa época em que dar um tiro no outro era questão de honra.


Em um daqueles dias de 1980 Ricardo, com 18 ou 19 anos, seria visto pela derradeira vez. Seu carro, depois de uma demora agoniante do rapaz, foi encontrado de portas abertas em um abandono.


A notícia não se espalhou pela Cidade e os jornais só foram saber semanas depois, mas permaneceram silentes a pedidos. Até ali, poderia ser uma coisa de moço novo. Viçoso. Mas não se desenrolaria bem assim...


O pouco que sei, tinha 14 anos e era garoto de recados do escritório de meu pai, é que o sumiço se transformou em sequestro. Ouvia alguma coisa quando ia cumprir mandados na rua dos cartórios (a mesma Major Facundo da Milano) ou no prédio velho do Fórum, em frente a Sé.


A Milano seguiu aberta, não poderia deixar de ser. Como se nada tivesse acontecido. Mas na entranha, dona Socorro se despetalava e seu Roque se emaranhava com a polícia e detetives que não chegaram a lugar algum.


Um arcano que se perdeu no tempo e na angústia indizível dos pais. Ainda era ditadura (1964/1985) e não era comum o sequestro, a não ser por guerrilheiros para trocar por presos políticos e de opositores do regime pela repressão.


Ricardo, herdeiro da Milano, teria sido confundido com um subversivo e sumido nas mãos dos paranoicos da repressão cívico-militar? É uma hipótese. O corpo do moço rico não apareceu até hoje e a Justiça não condenou nenhum sequestrador.


Fortaleza em 1980 era ainda mais canelau. A bandidagem não tinha essa “inteligência” toda. Mas os órgão de segurança pública eram especialistas em caçar, torturar e desterrar comunistas. Por que nunca solucionaram o sequestro de Ricardo?


É uma charada. Os sequestradores, por sinal, teriam se comunicado com os pais do rapaz por mensagens via uma coluna do O POVO. Mas até aqui, o Banco de Dados jornal não confirmou.


O certo é que Oscar da Milano faleceu sem reencontrar o filho. Nem teve o direito de sepultá-lo feito um Horácio abatido e levado por Ulisses. Dona Socorro, velhinha e ainda esperante da porta abrir Ricardo, está aqui e não está...


A Loja Milano fechou em 2015, mas já capenga e sem o olho do dono. Havia mergulhado num Alzheimer. No prédio, funcionará um anexo do Iplanfor...


DEMITRI TÚLIO é repórter especial e cronista do O POVO demitri@opovo.com.br

 

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