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Perigos de um estado metaestável

2017-05-20 17:00:00
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Por José Evangelista

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Como qualquer criança sabe, a água em uma panela aberta entra em ebulição na temperatura de 100 graus centígrados. Nessa situação ela passa por uma mudança de fase, do estado líquido para o gasoso. Enquanto a transição não se completa e todo líquido vira vapor, a temperatura da água permanece fixa nos 100°C, mesmo se o fogo abaixo da panela continuar aceso.


Outra coisa que se observa com a água nessa condição é o processo que chamamos de fervura. Quando a água ferve, surgem grandes bolhas de ar quente que arrebentam na superfície produzindo aquele barulho bem conhecido.


Como se formam essas bolhas?

A água na panela, normalmente, tem ar dissolvido em seu volume. Costuma ter, também, pequenas partículas em suspensão, que podem ser de várias origens. Enquanto a temperatura vai subindo e quando atinge, finalmente, o ponto de ebulição, o ar dissolvido se acumula em torno dessas partículas e forma pequenas bolhas. As partículas servem como pontos de concentração das bolhas. Quanto mais partículas, mais bolhas se formam. A superfície interna da panela pode ter pequenos arranhões nos quais as bolhas também costumam se formar e crescer.

Inicialmente, as bolhas permanecem pequenas e fixas em suas posições. A própria água resiste ao aumento do volume das bolhas com uma força molecular chamada de “tensão superficial” que é mais intensa quando as bolhas ainda estão pequenas. Pense em uma bola de aniversário: a borracha resiste mais quando a bola ainda está pouco inflada. Depois de atingir um dado volume, a tensão superficial da borracha diminui e fica mais fácil encher a bola de ar.


A mesma coisa acontece com as bolhas de ar na água quente. Aos poucos, com o aumento da temperatura, a pressão do ar quente vence a tensão superficial da água e as bolhas se expandem. Eventualmente, com o aumento do diâmetro, as bolhas recebem um maior empuxo, sobem no líquido, alcançam a superfície e papocam. A água ferve.


No entanto, verifica-se que é possível em certas situações que as bolhas permaneçam pequenas e presas a seus locais de formação, sem subirem para a superfície. Isso pode acontecer se a água for muito pura, se a panela não tiver muitas ranhuras internas e se o processo de aquecimento se der em um ambiente livre de agitações. Essas condições são mais comuns quando a água é aquecida em um forno micro-ondas.


Nesses casos, a água atinge a temperatura de ebulição, mas não ferve, isto é, não apresenta aquela agitação característica da fervura. Os físicos dizem que, nessa situação, a água está em “equilíbrio metaestável”. Se nada acontecer para tirá-la dessa condição, toda a água pode se transformar em vapor sem que haja a fervura como conhecemos.


Mas há um risco nesse estado. Se alguém provocar um pequeno desequilíbrio, mexendo na panela que está com a água aparentemente tranquila, as bolhas podem crescer subitamente e a água “explode” em um turbilhão de vapor quente. Muita gente já se queimou gravemente com esse tipo de comportamento inesperado da água aquecida.


O Brasil, nos últimos anos, vem passando por uma sucessão de fatos lamentáveis amplificados nos noticiários dos jornais e da TV, e nas redes sociais. Isso, como é de se esperar, aumenta a temperatura política e a insatisfação geral começa a se acumular. O que é preocupante é que, apesar de toda essa ebulição no cenário político nacional, a população parece estar em letargia. As válvulas de escape das manifestações de rua, que aqui nem sempre são espontâneas como deveriam ser, não representam de modo claro a insatisfação com os desmandos dos políticos e não são suficientes para dissipar a inquietação que se acumula com o conhecimento de novos fatos.

 

A Venezuela está em ebulição política e as ruas de Caracas e outras cidades “fervem” com protestos e manifestações em geral ruidosas e violentas. Já no Brasil, diferentemente do que ocorreu em 2013, reina uma apatia intrigante.


Será que o País está em equilíbrio metaestável? Se for assim, a população deve ficar atenta, pois alguma pequena perturbação inesperada talvez venha a ser capaz de provocar uma explosão social súbita e incontrolável.

 

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