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Ameaçadas por reintegração de posse, famílias reivindicam direito à terra

Conferência Nacional dos Bispos faz apelo ao Dnocs. Justiça Federal determinou desocupação para o dia 8 de junho. Em petição, DPU pede que desocupação ocorra apenas após audiência de conciliação
10:00 | Mai. 26, 2017
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Cerca de 100 famílias de pequenos agricultores do acampamento Zé Maria do Tomé convivem com a incerteza da moradia na ocupação do perímetro irrigado de Jaguaribe-Apodi, em Limoeiro do Norte, área que pertence ao Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). O juiz federal Bernardo Lima, da 15ª Vara - Subseção Limoeiro do Norte - determinou a reintegração de posse após ação movida pela Federação dos Produtores do Projeto Irrigado Jaguaribe-Apodi (Fapija), com apoio do Dnocs. Inicialmente marcada para o dia 15 de maio, a desocupação foi transferida pelo magistrado para 8 de junho, depois do pedido de adiamento feito pela Secretaria da Segurança Pública do Ceará por questões operacionais.

[SAIBAMAIS]
Diante do clima de tensão, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota de solidariedade à ocupação e fez apelo ao Dnocs para que retire o pedido de reintegração de posse e retome o diálogo com as famílias acampadas, buscando uma saída que evite o "acirramento do conflito e derramamento de sangue". A instituição apela ainda ao governador Camilo Santana para que intermedeie a negociação junto ao Governo Federal.


Segundo o CNBB, são famílias que “lutam por terra e água para trabalhar, sustentar seus filhos e ter uma vida digna”. A Conferência ressalta que desde a ocupação, em 2014, teve início um processo de negociação com o Estado em vista da concessão do uso da terra. Entre os avanços citados, a determinação de uma área de 1.700 hectares e a criação de um grupo de trabalho interministerial para construir um plano de regularização e desenvolvimento da área.

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“Com a reintegração de posse se rompe todo esse processo e se nega às famílias o sagrado direito de viverem com dignidade”, diz a nota assinada pelo presidente, vice-presidente e secretário regional da CNBB: Dom José Antônio Aparecido Tosi Marques, Dom Ângelo Pignoli e Dom Antônio Roberto Cavuto.


A defensora pública da União, Lídia Nóbrega, ingressou com petição à 15ª Vara, no último dia 10 de maio, pedindo ao juiz que adiasse a reintegração para um momento posterior a uma audiência de conciliação entre as partes. Ela questiona o fim dos encontros do grupo de trabalho interministerial, criado por meio de portaria do Dnocs, em 2015, para mediar situação.


"O grupo (criado pela portaria) parou de se reunir sem uma causa específica em 2016. Fomos surpreendidos pelo cumprimento de posse, pela posição contraditória da administração pública. A gente acredita que a portaria era uma tentativa de resolução de conflito via composição pacífica e, de repente, abandonaram esta via", comentou a defensora Lídia Nóbrega.


Ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as famílias de pequenos agricultores das comunidades da Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte, ocuparam a área do perímetro irrigado de Jaguaribe-Apodi, em 5 de maio de 2014, e montaram o acampamento Zé Maria Tomé, em referência ao ativista e ambientalista José Maria Filho, assassinado em 2010, após denúncias do uso indiscriminado de agrotóxico na região. Cada família possui cerca de 2 ha para a produção.


A diretora do MST, conhecida como Neidinha, afirma que a ocupação continuará. Um grande ato está sendo preparado para o dia 8 de junho, com a participação de outros movimentos sociais apoiadores das famílias. "Estamos em processo de resistência, na articulação com amigos e apoiadores para dar visibilidade à reintegração, especialmente nesse período em que dez companheiros foram assassinados no Pará. Aguardamos que o juiz, provavelmente, nos chame para uma audiência de conciliação. Já estamos construindo propostas para apresentar ao Dnocs, caso o juiz nos chame", afirma.


Impasse

A Fapija ajuizou ação para a retirada das famílias após a ocupação, ainda em 2014. Conforme o coordenador da Federação, Raimundo César dos Santos, conhecido como Alemão, a instituição possui contrato com o Dnocs e tem cerca de 324 produtores regularizados na área do perímetro irrigado, que pagaram pelos lotes de terra e dividem os custos da produção.


O Dnocs ingressou na ação da Fapija reforçando o pedido de reintegração de posse. O órgão federal alega que a ocupação é ilegal e pode levar o perímetro irrigado à falência, devido ao uso indevido e indiscriminado da água; deterioração e depredação de canais, comportas e rede elétrica; casas construídas em áreas destinadas a irrigação; ocupação indevida por pessoas que não têm nenhuma relação com a atividade de irrigação, transformando o perímetro em um conjunto habitacional e desvirtuando-o de sua natureza agro econômica. Além disso, afirma que a área ocupada é considerada de segurança, portanto não se admite edificações.


Por outro lado, o MST cobra a destinação de 1.700 ha para as famílias, previstos em uma portaria e um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelo Dnocs. O Movimento acusa o órgão federal de ter agido de forma contraditória, tendo em vista que estava em negociação, mas acabou ingressando no processo judicial contra a ocupação. O órgão também é criticado pela DPU e Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap).


De acordo com o Dnocs, o TAC prevê a distribuição dos lotes de terra a Política Nacional de Irrigação, a qual delineia todos os requisitos e condições para sua ocupação, tais como a seleção dos agricultores por meio de processo licitatório e o pagamento pela aquisição dos lotes e tarifas pelo uso da água e energia. O órgão ressalta que a ampliação para 1.700 ha destinada à agricultura familiar ocorreu após o MST exercer "forte pressão" ao Governo Federal.


"O cumprimento do TAC depende de recursos financeiros para solução das pendências fundiárias, abertura de processo licitatório, dentre outras medidas de cunho judicial e administrativo. Frise-se que a invasão paralisa o efetivo cumprimento do TAC, inviabilizando os requisitos e condições para sua ocupação regular nos moldes da lei", explica o Dnocs.

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